domingo, 28 de julho de 2024

Vereda da Poesia = 69 =


Trova Humorística de São Paulo/SP

DARLY O. BARROS
São Francisco do Sul/SC, 1941 - 2021, São Paulo/SP

– Minha filha, tens certeza?
– Tenho, mãe, é gravidez!
– Se vais dizer: “foi fraqueza”,
já não cola, é a quarta vez!
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
Luiz Gilberto de Barros

Tradução

Cada verso teu traduz a tua história;
Solta em cada linha livre que tu traças
Quando tu te expressas, da tua memória
Nascem tantas formas onde tu te enlaças.
 
Cada vez que leio cada fragmento
Dos teus sentimentos, no meu coração,
Um amor sublime faz desse momento
Mais que um sentimento de admiração...
 
Parece que há muito eu já te conhecia
E deixo  meu ser voar qual passarinho
No rumo sutil da tua poesia
Onde a fantasia cria o seu caminho.
 
Ando-te sem pressa, sem preocupar-me
Com a vida,  o tempo... e a ti me dedico,
Quero encontrar-te e busco encontrar-me
Na tua emoção com a qual me identifico.
 
Tu és minha irmã... eu sou o teu irmão
Quando tua doce alma me convida
A eternizar-te no meu coração
E a compreender um pouco a tua vida.
 
E assim que te vais após cada leitura,
Deixas no meu peito a doce sensação
Que tua palavra cheia de ternura
Cura as amarguras do meu coração.
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Aldravia de Belo Horizonte/MG

SUZANA PEIXOTO
(Suzana Maria Cruz Peixoto)

mãos
carinhos
danças
bailes
saudosas
lembranças
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Soneto de Ilhavo/Portugal

DOMINGOS FREIRE CARDOSO

As palavras perfumadas da confidência
(Maria Goreti Andrade Carneiro Dias in “Textos de Amor", p. 40)

“Palavras perfumadas de confidência”
Dizias tu baixinho ao meu ouvido
E eu, delas tão sedento e atrevido
Ia perdendo, aos poucos, a inocência.

O amor ardia em nós com tal urgência
E como quase nada era proibido
Sem saber o caminho percorrido
Quase demos às portas da demência.

Dormem os nossos corpos saciados
Perdidos nos lençóis amarrotados
Envoltos numa paz que nos aquece.

Em redor tudo é calmo e é perfeito.
E eu sinto em mim que o mundo é o nosso leito
Como se nele nada mais houvesse.
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Trova Premiada em Maringá

MAURÍCIO NORBERTO FRIEDRICH
Porto União/SC, 1945 – 2020, Curitiba/PR

Até hoje, na velhice,
lembro as canções de ninar
que mamãe, pura meiguice,
cantava pra me embalar!
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Dobradinha Poética de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Cidade Natal

Ao procurar as raízes,
tem o meu sonho tal ânsia,
que ao buscar dias felizes
volto à fazenda da infância.

Seu pai era jardineiro
e ele era um menino arteiro,
que só queria brincar.
Mas, quando a mãe o chamava,
as flores, logo abraçava
e o pai ele ia ajudar.

Cresceu… deixou a cidade.
Longe de tudo, a saudade,
quase que o fez regressar.
Mas, sabendo o que queria,
formou-se em agronomia
depois de muito estudar.

Já casado e com família,
passou anos em vigília
e por trabalhar assim,
formou dois filhos doutores
mas, nunca mais plantou flores
e nem cuidou de um jardim!

Ao perder a companheira,
sua ilusão derradeira,
já tendo bastante idade,
procurou suas raízes
lembrando os tempos felizes
lá, na pequena cidade.

Voltou à morada antiga,
ouviu a velha cantiga,
foi à igreja e ao botequim.
E, na praça da cidade,
onde dói mais a saudade,
plantou flores no jardim!
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Trova Popular

Infeliz me considero 
em todos os meus intentos:
Quando penso achar venturas,
não acho senão tormentos.
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Soneto de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA

Delírios da aurora

Quando a aurora bem cedo, abre a cortina,
ante os raios do Sol, o orvalho chora,
pestaneja no céu, a luz divina
e resplende, na terra, a luz da aurora!

Basta o olhar dessa aurora peregrina,
passageira que, ao longe, o céu decora,
e, aos pouquinhos, dos braços da campina,
o silêncio da noite vai embora!

Sobre as copas de antigos arvoredos,
lindas aves revelam seus segredos,
dando vivas, à luz do Sol nascente...

E entre coros, canções, ressurge a vida,
despertando essa paz adormecida,
que adormece de novo, ao sol poente!
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Trova de Niterói/RJ

ANTONIO BISPO DOS SANTOS
São Cristóvão/SE, 1917 – 2010, Niterói/RJ

Não quero louro ou riqueza.
Nada além do amor perdura.
Em minha feliz pobreza
Deus me cobre de ternura.
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Poema de Belo Horizonte/MG

CARLOS LÚCIO GONTIJO

Sol eterno

Há mais alegria na procura que no encontro
A poesia da vida está na surpresa das esquinas
Em liberdade as diferenças se fazem divinas
Não se toma água limpa em fonte suja
Quem não garimpa dentro de si mesmo
Enferruja com seu toque tudo que amanhece
Não se conhece nem se doa ao próximo
É como canoa que temesse a festa da correnteza
A Natureza acontece na candura da simbiose
Ao horizonte do amor basta a luz da ternura
O sabor da fruta não depende da semente
Vem do calor da mão calejada do plantador
Pôr-do-sol que não se põe no peito da gente!
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Trova Humorística de Pindamonhangaba/SP

MAURÍCIO CAVALHEIRO

Tocou tuba a vida inteira
na banda; e era tão viciado,
que nos braços da enfermeira
morreu feliz... entubado .
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

MANUEL BANDEIRA
(Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho)
Recife/PE (1886 – 1968) Rio de Janeiro/RJ

Soneto italiano

    Frescura das sereias e do orvalho,
    Graça dos brancos pés dos pequeninos,
    Voz das manhãs cantando pelos sinos,
    Rosa mais alta no mais alto galho:

    De quem me valerei, se não me valho
    De ti, que tens a chave dos destinos
    Em que arderam meus sonhos cristalinos
    Feitos cinza que em pranto ao vento espalho?

    Também te vi chorar... Também sofreste
    A dor de ver secarem pela estrada
    As fontes da esperança... E não cedeste!

    Antes, pobre, despida e trespassada,
    Soubeste dar à vida, em que morreste,
    Tudo, — à vida, que nunca te deu nada!
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Trova de Arapongas/PR

ANDRÉ RICARDO ROGÉRIO

Quando, então, do céu descer
um brilho no seu olhar
é porque no entardecer 
meus sonhos vão te buscar.
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Spina de Belém/PA

ANA MEIRELES

O pescador 

Pesqueiro do a(M)ar 
- Lançador de redes,
um eterno sonhador. 

Lança sua tarrafa com fé,
espera a maré, sob ondas
sente sua alma, terno ardor,
conhece o amor, vê águas 
de beijar praias, o pescador.
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Trova de Caicó/RN

EVA YANNI GARCIA

Sei que me esperas, suponho,
te sinto além do infinito;
se és a musa do meu sonho,
és meu sonho mais bonito!
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Soneto de Curitiba/PR

VANDA FAGUNDES QUEIROZ

Sublimação

Tento louvar a beleza do universo,
cantar o céu, o infinito, o sol, a flor.
No silêncio existe som que escuto em verso,
do matiz inexistente vejo a cor.

Numa gota d’água posso ver, submerso,
do gigante mar azul todo o esplendor.
Penso ern rosas onde o espinho mais perverso
cresce, banindo a alegria e impondo a dor.

A solidão povoei, o peito imerso
nos meus sonhos enfeitados com o verdor
da esperança, alado aroma ao céu disperso.

A viver concebo o Bem. Em meu fervor,
sonhando a Paz, quando há guerra, quão diverso
vê-se o mundo no altar-mor do meu Amor!...
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Trova Premiada em São Paulo/2013

TIAGO
António José Barradas Barroso
Paredes/ Portugal

O amor ia no cartão,
a rosa era o meu presente,
agora, anda pelo chão
pisada por toda gente.
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Poema de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Linha do Tempo! 

Corre o tempo, sem dar tempo 
de ver que o tempo passou, 
agora, passado o tempo, 
passado no tempo estou; 
porém não me importa o tempo 
passado, pois este tempo 
passado, já se passou! 

Olho o tempo no presente 
e vejo quão bom é o tempo, 
pois o tempo, simplesmente, 
me dá tempo de ter tempo 
pra gastar tempo com gente 
que por não ter tanto tempo 
não vive o tempo presente!

Mais um dia amanheceu, 
mais um dia se passou, 
mais um dia anoiteceu, 
mais uma noite chegou, 
mais uma noite passou, 
mais uma noite se foi, 
e mais um dia se foi, 
e se foi todo meu tempo, 
sem ter um pingo de tempo, 
pra notar que o tempo foi 
embora, sem perder tempo, 
pois o tempo não tem tempo 
pra quem também não tem tempo, 
por isso não perca tempo, 
tire um pouco do seu tempo 
tão pouco, sem perder tempo, 
antes que o dia anoiteça, 
antes que você se esqueça, 
antes que você pereça, 
e viva todo este tempo 
que lhe resta, dando tempo 
para quem já não tem tempo 
de ver o tempo passar; 
não é tempo de esperar, 
vamos, pois, remir o tempo, 
antes de o tempo findar!
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Triverso de São Paulo/SP

JOSÉ APARECIDO BOTACINI

Espelho cruel 
Refletindo janeiros: 
Rugas na face. 
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Sextilha de Porto Alegre/RS

MILTON S. SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

No entrevero, metido, que alegria,
deixo a chuva molhar meu coração,
pois eu sei, esta chuva que desliza
traz na seiva esta paz de cada irmão,
e a palavra precisa que preciso
para ser bom aluno na lição.
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Trova de Curitiba/PR

PAULO WALBACH PRESTES
1945 – 2021

Uma lágrima reluz
numa pétala dourada.
Orvalho cheio de luz,
clareando a madrugada.
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Hino de Colorado/PR

Sou filho de Colorado
Tenho orgulho do meu torrão
Amo tanto este berço adorado
Que hei de tê - lo sempre em meu coração.

Colorado és a terra de esplendor
Tudo em ti me encanta e seduz
Aqui o sol tem mais vida e calor
E as estrelas têm mais brilho e mais luz.

Neste solo onde existe tanto amor
Há um desejo perene de sucesso
Onde a prece altiva é o labor
E o caminho palmilhado é do progresso.

Tua gente lutadora e varonil
O teu nome sempre guardará
Colorado terra amada e gentil
Filha altiva do gigante Paraná.

Honra e glória aos seus descobridores
Que anteviram os caminhos da vitória
Para eles este hino de louvores
Por nos legarem este templo de glória.
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Poetrix de Brasília/DF

ROMILDO AZEVEDO 

obstáculos

São tantos os percalços
Sol, chuva, vento, sereno…
E nós ainda andamos descalços.
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Soneto de Curitiba/PR

EDIVAL PERRINI
(Edival Antonio Lessnau Perrini)

Proa

O sonho é meu pastor, nada me faltará.
Que venham as tormentas, que venha o que vier,
tenho o sonho comigo, o sonho é meu pastor.

O mundo da aparência não me engolirá.
Conheço bem suas manhas, meu ofício é interior:
girassol que é girassol tem proa pro amanhecer.

O sonho é meu pastor, nada me faltará.
Com ele eu teço o mundo, reinvento a via-láctea.
Mistérios são bem-vindos, o sonho é meu pastor.

Ou eu busco a verdade ou ela não me achará.
Minha verdade, o sonho, é pomar e é brasão.
Seu universo, os versos, fio do sim e do não.

O sonho é meu pastor, nada me faltará.
Encontro nele a luz, meu alimento e cor.
Que escorra a ampulheta, o sonho é meu pastor.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Tire as trovas da memória
do seu bom computador. 
Deixe que façam história
indo em livros ao leitor.
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Conto em Versos do Rio de Janeiro/RJ

ARTHUR DE AZEVEDO
São Luís/MA, 1855 – 1908, Rio de Janeiro/RJ

As festas

Era o Alfredo casado
Com formosa mulher, nova e sadia,
Mas não a merecia:
Andava enamorado,
Como um velho babão lascivo e tolo,
De uma reles corista
Com pretensões a artista,
Que trabalhava no teatro Apollo.

Fazia versos maus o pobre diabo,
E era empregado num pequeno banco:
Não podia dar-se ares de nababo,
Não podia mostrar-se muito franco,
Pois o que ali ganhava
Para os gastos da casa mal chegava;
Mas o parvo supunha
Que do Apollo a corista lhe quisesse
Não por vil interesse,
E o seu carnal desejo em versos punha,
Convencido de que ela
Com tal moeda se satisfizesse.

Escusado é dizer que ele da bela
Nada mais conseguira,
Tangendo a sua lira,
Senão coisas vulgares,
Sorrisos ternos, lânguidos olhares,
Porque já não há musa
Que às coristas seduza...
Já lá se vai o tempo em que um soneto,
Embora não tivesse chave de ouro
No último verso do último quarteto,
Tinha a chave que abria,
Depois de longo e pertinaz namoro,
O duro peito da mulher mais fria.
A mísera poesia,
Por tantos explorada,
Hoje é moeda desvalorizada.

O visionario Alfredo
Vai uma noite ao teatro muito cedo
E faz chegar às mãos da semi-artista,
Dentro de um ramalhete,
Perfumado bilhete,
Pedindo uma entrevista.
E no dia seguinte, à hora do ensaio,
Vai ter com ela e diz: — Daqui não saio,
Enquanto uma resposta não me deres,
Ó tu que és a mais linda das mulheres,
Flor das musas do Apollo!

Abre a tipa uma bolsa de veludo
Que traz a tiracolo,
Dessas em que as madamas guardam tudo:
Lencinhos, luvas, pó de arroz, bilhetes,
Pentinhos, alfinetes,
E dinheiro miúdo;
Dois retalhos de seda
Tira de dentro, sorridente e pronta,
E do Alfredo aos atônitos ouvidos
Estas palavras múrmura segreda:
— Qual mais te agrada destes dois vestidos? —

Ele o melhor aponta,
— Pois vai compra-lo e traz-me-o. A resposta
Terás então daquele bilhetinho
À cálida proposta…

Encontras a fazenda no Godinho.
Catorze metros bastam. Adeuzinho! —
E a corista fugiu que nem um raio,
Porque a estavam chamando para o ensaio.

Após ligeiro pasmo,
Perdeu o Alfredo todo o entusiasmo,
Por ver, naquele instante,
Que, para a amada se tornar amante,
O metro dos seus versos
Não era ainda bastante:
Ela exigia metros bem diversos:

Metros de seda cara,
Que custar deveriam...
Quanto? — os olhos da cara!
E os lábios seus tremiam!
Para a ingrata o Parnaso era o armarinho,
E o Apolo era o Godinho!

Meteu, desiludido, na algibeira
Os retalhos. Saiu. Foi para o banco,
E, inspirado, nervoso, num arranco,
Passou a mais feroz delcalçadeira
Na exigente corista em verso manco.
À noite, em vez de lhe mandar fazenda,
Na forma da encomenda,
Mandou-lhe a versalhada.
Leu-a a corista e deu muita risada.
Andou de mão em mão a poesia,
E foi lida por toda a companhia.
Alfredo, esse dormiu tranquilamente,
Aliviado e contente,
Durante a noite inteira.

Foi a esposa a primeira
Que da cama se ergueu. Eu cá duvido
Haja no mundo uma mulher casada,
Embora muito honrada,
Que não reviste os bolsos ao marido,
Quando este ainda se acha recolhido...
Tinha do Alfredo a esposa tais trabalhos,
E por isso encontrou os dois retalhos.
Quando ele despertou, ela, sorrindo,
Rosto sereno, olhar sereno e lindo,
Lhe disse: — Finalmente,
Alfredo, minha vida,
Vais dar-me de presente
Um vestido de seda! Agradecida!
Que belas festas de princípio de ano!
Não imaginas como estou contente!
Ter um vestido assim era o meu plano!
Duas amostras vêm — naturalmente
Para escolher: pois bem... esta prefiro…

Depois daquele triste desengano,
O Alfredo enveredou no bom caminho,
E a senhora, modelo das honestas,
Teve esse ano de festas
Um vestido de seda... Mal sabia
Que a uma corista reles o devia!
(Contos em versos. Publicado em 1909. Disponível em Domínio Público)

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