terça-feira, 15 de novembro de 2011

Cruz e Souza (O Livro Derradeiro) Parte XVIII


QUANDO ESTÁS DE LAÇAROTES

Quando estás de laçarotes
E de plissês e fichus,
De rendas e de decotes,
Quando estás de laçarotes,
Toilette de chamalotes,
Quanto esplendor, quanta luz,
Quando estás de laçarotes
E de plissês e fichus.

DA IDÉIA NOS MARES JÔNIOS

Da idéia nos mares jônios
A barca das tuas cismas
Soprada por bons favônios
Da idéia nos mares jônios,
A rapariga -- um rainúnculo,
Da bruma pelos países
Da luz e da glória em suma,
Vai livre dos maus demônios,
Batida da luz dos prismas,
Da idéia nos mares jônios
A barca das tuas cismas.

COMO UM ASSOMBRO DE ASSOMBROS

-- Como um assombro de assombros
Da serra pelos escombros
Como um assombro de assombros,
Quando vê de enxada aos ombros
O noivo -- lembra um carbúnculo,
Como um assombro de assombros
A rapariga -- um rainúnculo.

COMO FORTES GARGALHADAS

-- Como fortes gargalhadas
Por um templo de cristal,
Sonoramente vibradas,
Como fortes gargalhadas,
Sinto idéias baralhadas
N’um frágil descomunal
Como fortes gargalhadas
Por um templo de cristal.

PELOS PAÍSES DA BRUMA

Pelos países da bruma,
Longe dos astros felizes,
Da bruma pelos países,
Tu vais perdendo os matizes
Da bruma pelos países,
Pelos países da bruma.

FRÊMITOS

I

Ó pombas luminosas
Que passais neste mundo eternamente
Só a cantar os madrigais de rosas,
Atravessados de um luar veemente,
Inundados de estrelas e esplendores,
De carinhos, de bênçãos e de amores.

II

Ó virgens peregrinas,
De meigo olhar banhado de esperanças,
Que perfumais com lírios e boninas
Que atravessais constantemente a vida
Do sol eterno, da visão florida.

III

Amadas e felizes
Coroadas de flor de laranjeira,
De vós que o sonho eterno dulcifica,
Que vivem, morrem suportando abrolhos,
Oh, sim que a força eterna
Gêmeas da luz das frescas alvoradas,
Vós que trazeis nas almas as raízes
Do que é são, do que é puro -- ó vós amadas
Prendas gentis do paternal tesouro,
Iriados corações de fluidos de ouro.

IV

É para vós que eu quero
Engrinaldar de tropos e de rimas,
Num doce verso artístico e sincero,
Esgrimir com belíssimas esgrimas
A estrofe e dar-lhe os golpes mais seguros
Para que brilhe como uns astros puros.

V

É só a vós, apenas,
Que eu me dirijo, límpidas auroras,
Que pelas tardes plácidas, serenas,
Passais, galantes como ingênuas Floras,
Noivas, sorrindo à mocidade inteira.

VI

Porque é de vós que deve,
Partir o lume quando cai a neve,
Surgir a crença poderosa e rica.
Porque afinal, o que se chama crença,
Senão o amor e a caridade imensa?

VII

Os tristes e os pequenos
Em quem descansam brandamente os olhos,
Esses humildes, rotos Nazarenos
Senão nos grandes entes piedosos
Que dão-lhes força aos transes dolorosos?

VIII

Parte dos corpos rijos da saúde,
Perante a lei da vida que governa,
O nobre, o rei, o proletário rude;
Parte dos seres fartos de carinhos
Como de paz e de alegria os ninhos.

IX

Eu peço para todos
E peço a vós que sois as fortalezas
Da esperança, da fé -- a vós que os lodos
Da miséria, do vício, das baixezas,
Não denegriram essas consciências
Castas e brancas como as inocências.

X

Nem se esperar devia
Que eu tentasse bater a outras portas,
Quando vós sois o exemplo de Maria;
Não andais mudas, regeladas, mortas
Pela noite voraz da sepultura
E escutareis os dramas da amargura.

XI

Não julgueis que eu vos peça,
Uma alvorada feita de um sorriso;
A minh'alma garante e vos confessa
Que se crê nas mansões do Paraíso,
É porque vós reinais por sobre a terra
E o Paraíso dentro em vós se encerra.

XII

A vós, a vós compete
A glória do dever -- porque assim como
A luz do sol na lua se reflete,
Também das aflições no duro assomo,
Da pobreza refletem-se nas almas,
Vossas imagens, como auroras calmas.

XIII

Portanto, a mocidade
Vossa, terá de ser de hoje em diante,
Enquanto a esmagadora atrocidade
Da peste -- nos vorar d’instante a instante,
Quem se há-de encarregar desta manobra
Do galeão da vida que sossobra.

XIV

E para isso, ó rainhas
Da juventude -- tendes as quermesses
Que dão bons frutos assim como as vinhas;
As matinées de cânticos e preces,
Os cintilantes, pródigos bazares
Onde a luz salta extravasando em mares.

XV

Enquanto a mim, na arena
Da heroicidade humana que consola,
Oh, faz-me bem a vibração da pena,
Pelo amor, pelo afago, pela esmola,
Como um radiante e fulgido estilhaço
De sol febril no mármore do Espaço!

Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.

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