PRÓLOGO
Estrelas que luzis na abóbada infinita,
Inquietamente, assim, como um olhar que fascina,
Vendo-vos palpitar, meu coração palpita,
Mordido de paixão por essa luz divina...
Largos céus ideais, região diamantina,
Mirífico esplendor, ó pérola esquisita,
Quanta cobiça vã, que nunca se imagina,
Quanto furor enfim o ânimo me excita!
É o impossível, pois, que eu amo unicamente,
A névoa que fugiu, a forma evanescente,
A sombra que se foi tal qual uma visão...
E por isso também, por isso é que eu suponho
Que a vida, em suma, é um grande e extravagante Sonho,
E a Beleza não é mais do que uma Ilusão!
***
Plumas
***
DAMA
A noite em claro, o mundo inóspito, e dessa arte
Urdem contra a Beleza as coisas mais abjetas...
Reina o Pesar, mas como um Rei, por toda parte;
E ordena Herodes que degolem os poetas...
Cavaleiros por terra e plumas inquietas;
Esqueletos, que importa? a rir... Hei de vibrar-te
Aos quatro ventos, e com formas obsoletas,
Ó gládio nu! meu esotérico estandarte!
Delírio! assim no ar este sinal eu traço...
Escarótico pois? É bem! Vibrião do Ganges?
Combaterei, se for mister, num circo d’aço...
Combaterei, embora eu saiba que me perdes,
Com versos d’ouro, que reluzam como alfanjes,
Dama! com teu orgulho! ó dama de olhos verdes!
O MEU ORGULHO LEVANTOU-ME...
O meu orgulho levantou-me pelo braço:
“Olha, como esse abismo é infinito! Através
Do universo tu és grão de areia no espaço;
Mas tudo há de ficar um dia sob teus pés!”
A Vaidade me olhou: “Eu sou o antigo leito,
A púrpura ideal com que te cobrirei;
Trabalha que serás o Artista perfeito,
O Domínio, a Grandeza, o Poder e o Rei!”
A Glória me sorriu como uma primavera:
“Este diadema é teu, e este ramo d’hera
É para te cingir a fronte. Tu hás de ver!”
E eu cri nesse milagre de apoteoses,
E nunca poderei deixar de crer, ó deuses!
Porquanto se eu deixar, então antes morrer!
Março – 1905
VOZES
Ó rumor ideal! Ó ilusão secreta!
Vozes tristes, vozes doces que me chamais,
Com a saudade cruel e a lembrança completa
De um outro mundo, que eu perdi, não acho mais...
Vozes antigas como as barbas d’um profeta,
Ó vozes de paixão, ó vozes de metais,
Ó vozes que feris a minha alma inquieta,
Vozes de multidão ruidosa sobre o cais...
Vozes lindas assim como um efebo louro,
Vozes, filhas, não sei, das entranhas do Ar,
Vozes d’Apolo e de marfim e prata e ouro...
Ó vozes de embriaguez, ardentíssimas vozes,
Vozes, bem como se quebrasse, ao longe, o mar
Sob penhascos nus e rochedos atrozes!...
QUANDO UM POETA NASCEU...
Quando um poeta nasceu, como o sol que desponte,
Logo por sobre o mar longas e brancas velas
Desfraldam-se; e por fim, tudo palpita, o monte,
O céu, a flor, a luz – ó róseas bambinelas!
É um barulho de rio, um murmúrio de fonte,
Uma palpitação universal de estrelas;
Um sussurro, um fragor de beijos quentes pelas
Ondulações sem fim e rubras do horizonte!
Menino, homem depois, de um assalto ele ganha
Os ermos, que transpõe, os vales e os barrancos,
Tendo sempre a sorrir nos olhos a Quimera...
Chegam os anos e vêm os cabelos brancos...
Todavia, ele só, em pé sobre a montanha,
Inda sonha, inda crê, inda deseja e espera!...
A MÃO...
Tantas vezes, bem sei, e eu ouço, quando cismo,
Meu coração bater depressa, não o nego,
Mão invisível tem-me salvo, a mim, um cego,
Rolando como se rolasse num abismo...
Babilônias de horror, e montanhas de lodo,
E torres de Babel, sangrentas como lava,
Eu mais afoito do que um jovem deus, mais doido,
Eu passei sem saber por onde é que passava...
Sorrindo pelo ar, miraculosa e a esmo,
Tudo pôde abrandar, os ventos, e a mim mesmo,
Por um prodígio enfim que eu não explico, ateus!
...Donde veio essa mão nervosa, que me arranca
Dos abismos do mal, a Mão ideal e branca,
A mim, que nem sequer mais acredito em Deus?...
EMBARQUE PARA CITERA
De resto, quanto a mim, a mais doce quimera
É sempre essa ilusão de uma nova paisagem,
E por isso também, por isso quem me dera
Que a minha vida fosse uma grande viagem.
Quem me dera poder, à tarde, quando a aragem
Sopra ríspida, entrar na primeira galera,
E errando sobre o mar, ó rude marinhagem,
No outono, estar aqui, e ali, na primavera!
Quando o encanto, porém, sorri, quando me vejo,
Ora num coração, ora noutro, que esteve
A palpitar por mim de orgulho e de desejo;
Ah! quando vibro assim! É melhor, na verdade,
Que se andasse no mar, numa trirreme leve,
De prazer em prazer, de cidade em cidade...
1907
ORGULHO
Ao João Itiberê
Nasci para viver no meio do que é belo.
A miséria me causa um horror sem igual.
Eu não posso tocar de leve com o escalpelo
Numa ferida, sem que isso me faça mal.
Nasci para viver no meio d’um castelo,
Onde eu domine, mas com um gesto senhorial.
Não quero conhecer o mal, não quero vê-lo;
O mando d’um artista é um manto imperial.
Antes morda-me o Ódio assim do que a Piedade;
Antes quero rugir, do que chorar de dor;
E prefiro ao pesar, que o coração me invade,
E abate-me a tremer, tal qual uma criança,
O furor de brandir nas mãos, como uma lança,
Este Orgulho, que enfim é uma giesta em flor!
23–12–1902
Estrelas que luzis na abóbada infinita,
Inquietamente, assim, como um olhar que fascina,
Vendo-vos palpitar, meu coração palpita,
Mordido de paixão por essa luz divina...
Largos céus ideais, região diamantina,
Mirífico esplendor, ó pérola esquisita,
Quanta cobiça vã, que nunca se imagina,
Quanto furor enfim o ânimo me excita!
É o impossível, pois, que eu amo unicamente,
A névoa que fugiu, a forma evanescente,
A sombra que se foi tal qual uma visão...
E por isso também, por isso é que eu suponho
Que a vida, em suma, é um grande e extravagante Sonho,
E a Beleza não é mais do que uma Ilusão!
***
Plumas
***
DAMA
A noite em claro, o mundo inóspito, e dessa arte
Urdem contra a Beleza as coisas mais abjetas...
Reina o Pesar, mas como um Rei, por toda parte;
E ordena Herodes que degolem os poetas...
Cavaleiros por terra e plumas inquietas;
Esqueletos, que importa? a rir... Hei de vibrar-te
Aos quatro ventos, e com formas obsoletas,
Ó gládio nu! meu esotérico estandarte!
Delírio! assim no ar este sinal eu traço...
Escarótico pois? É bem! Vibrião do Ganges?
Combaterei, se for mister, num circo d’aço...
Combaterei, embora eu saiba que me perdes,
Com versos d’ouro, que reluzam como alfanjes,
Dama! com teu orgulho! ó dama de olhos verdes!
O MEU ORGULHO LEVANTOU-ME...
O meu orgulho levantou-me pelo braço:
“Olha, como esse abismo é infinito! Através
Do universo tu és grão de areia no espaço;
Mas tudo há de ficar um dia sob teus pés!”
A Vaidade me olhou: “Eu sou o antigo leito,
A púrpura ideal com que te cobrirei;
Trabalha que serás o Artista perfeito,
O Domínio, a Grandeza, o Poder e o Rei!”
A Glória me sorriu como uma primavera:
“Este diadema é teu, e este ramo d’hera
É para te cingir a fronte. Tu hás de ver!”
E eu cri nesse milagre de apoteoses,
E nunca poderei deixar de crer, ó deuses!
Porquanto se eu deixar, então antes morrer!
Março – 1905
VOZES
... bercé par ce continuel bourdonnement
qu’entendent ceux qui n’entendent d’autre voix.
Francis Jammes
qu’entendent ceux qui n’entendent d’autre voix.
Francis Jammes
Ó rumor ideal! Ó ilusão secreta!
Vozes tristes, vozes doces que me chamais,
Com a saudade cruel e a lembrança completa
De um outro mundo, que eu perdi, não acho mais...
Vozes antigas como as barbas d’um profeta,
Ó vozes de paixão, ó vozes de metais,
Ó vozes que feris a minha alma inquieta,
Vozes de multidão ruidosa sobre o cais...
Vozes lindas assim como um efebo louro,
Vozes, filhas, não sei, das entranhas do Ar,
Vozes d’Apolo e de marfim e prata e ouro...
Ó vozes de embriaguez, ardentíssimas vozes,
Vozes, bem como se quebrasse, ao longe, o mar
Sob penhascos nus e rochedos atrozes!...
QUANDO UM POETA NASCEU...
Quando um poeta nasceu, como o sol que desponte,
Logo por sobre o mar longas e brancas velas
Desfraldam-se; e por fim, tudo palpita, o monte,
O céu, a flor, a luz – ó róseas bambinelas!
É um barulho de rio, um murmúrio de fonte,
Uma palpitação universal de estrelas;
Um sussurro, um fragor de beijos quentes pelas
Ondulações sem fim e rubras do horizonte!
Menino, homem depois, de um assalto ele ganha
Os ermos, que transpõe, os vales e os barrancos,
Tendo sempre a sorrir nos olhos a Quimera...
Chegam os anos e vêm os cabelos brancos...
Todavia, ele só, em pé sobre a montanha,
Inda sonha, inda crê, inda deseja e espera!...
A MÃO...
Ao Dr. Claudino dos Santos
Tantas vezes, bem sei, e eu ouço, quando cismo,
Meu coração bater depressa, não o nego,
Mão invisível tem-me salvo, a mim, um cego,
Rolando como se rolasse num abismo...
Babilônias de horror, e montanhas de lodo,
E torres de Babel, sangrentas como lava,
Eu mais afoito do que um jovem deus, mais doido,
Eu passei sem saber por onde é que passava...
Sorrindo pelo ar, miraculosa e a esmo,
Tudo pôde abrandar, os ventos, e a mim mesmo,
Por um prodígio enfim que eu não explico, ateus!
...Donde veio essa mão nervosa, que me arranca
Dos abismos do mal, a Mão ideal e branca,
A mim, que nem sequer mais acredito em Deus?...
EMBARQUE PARA CITERA
De resto, quanto a mim, a mais doce quimera
É sempre essa ilusão de uma nova paisagem,
E por isso também, por isso quem me dera
Que a minha vida fosse uma grande viagem.
Quem me dera poder, à tarde, quando a aragem
Sopra ríspida, entrar na primeira galera,
E errando sobre o mar, ó rude marinhagem,
No outono, estar aqui, e ali, na primavera!
Quando o encanto, porém, sorri, quando me vejo,
Ora num coração, ora noutro, que esteve
A palpitar por mim de orgulho e de desejo;
Ah! quando vibro assim! É melhor, na verdade,
Que se andasse no mar, numa trirreme leve,
De prazer em prazer, de cidade em cidade...
1907
ORGULHO
Ao João Itiberê
Nasci para viver no meio do que é belo.
A miséria me causa um horror sem igual.
Eu não posso tocar de leve com o escalpelo
Numa ferida, sem que isso me faça mal.
Nasci para viver no meio d’um castelo,
Onde eu domine, mas com um gesto senhorial.
Não quero conhecer o mal, não quero vê-lo;
O mando d’um artista é um manto imperial.
Antes morda-me o Ódio assim do que a Piedade;
Antes quero rugir, do que chorar de dor;
E prefiro ao pesar, que o coração me invade,
E abate-me a tremer, tal qual uma criança,
O furor de brandir nas mãos, como uma lança,
Este Orgulho, que enfim é uma giesta em flor!
23–12–1902
Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011
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