Enquanto Rabicó suava o suor da morte nas unhas de Tom Mix, Narizinho e Emília chegavam ao palácio das Colméias, donde vários zangõess saíram a recebê-las com gentis rapapés.
— Salve, princesinha do Narizinho Arrebitado! – exclamaram eles, curvando-se.
— Obrigada! — respondeu a menina, dando-lhes a mão a beijar. — Recebi um convite da rainha, mas estou na dúvida se foi da rainha das Abelhas ou da rainha das Vespas. Portei aqui para saber...
— O convite foi da rainha das Abelhas — declarou um dos zangõess. Fui eu mesmo quem o redigiu. A rainha das Vespas anda furiosa com a menina por ter matado uma das suas súditas.
— Vê, Emília, de que escapamos? — cochichou Narizinho. Se tivéssemos errado o caminho e ido parar na terra das Vespas, com certeza nas matavam a ferroadas... E voltando-se para os zangõess:
— Permitam-me, senhores que vos apresente a senhora condessa de Três Estrelinhas. Esta ilustre dama foi vítima dum desastre no caminho e não consegue andar sem encosto. Poderá algum dos senhores arranjar-lhe um par de muletas?
— Podemos, sim, mas antes deverá consultar o grande médico que por acaso se acha aqui, vindo do reino das Águas Claras.
— O doutor Caramujo está aqui? — exclamou a menina muito alegre. — Conheço-o muito! Chamem-no depressa.
Os zangõess partiram rápidos, regressando instantes depois em companhia do doutor Caramujo, o qual, reconhecendo a menina e a boneca, saudou-as respeitosamente.
Depois arrumou os óculos para examinar a perna de Emília.
— É grave! — exclamou. — A senhora condessa está sofrendo duma anemia macelar no pernil barrigóide esquerdo. Caso muito sério.
— E que receita, doutor? Pílula de sapo outra vez? — indagou a menina.
— Esta doença — explicou o grande médico — só pode sarar com um regime de superalimentação local.
— Alimentação macelar, eu sei — disse a menina rindo-se da ciência do doutor. — Tia Nastácia sabe aplicar esse remédio muito bem.
Em dois minutos, com um bocado de macela e uma agulha com linha ela cura Emília para o resto da vida.
— Tia Nastácia! — exclamou o médico escandalizado. – Com certeza é alguma curandeira vulgar! Macela! Alguma mezinha vulgar também! Oh, santa ignorância! Admira-me ver uma princesa tão ilustre desprezar assim a ciência de um verdadeiro discípulo de Hipócrates e entregar a condessa aos cuidados duma reles curandeira!...
— Reles curandeira? — exclamou a menina indignada. – Chama então Nastácia de reles curandeira? Se tem algum amor à casca, retire-se, senhor cascudo, antes que eu faça o que fiz para a tal dona Carochinha. Reles curandeira! Já viu Emília, um desaforo maior?
O doutor Caramujo meteu o rabo entre as pernas e sumiu-se.
Narizinho estava ainda a comentar o desaforo quando os zangõess que tinham saído em procura das muletas apareceram.
— Aqui no palácio não há muletas, senhora princesa, mas aí fora costuma andar um besouro manco que possui duas. Quer ir até lá conosco ?
Narizinho foi. Três esquinas adiante encontraram o besouro mendigo, de chapéu na mão à espera de esmolas.
A menina já lhe ia oferecendo um pedacinho de bolo quando o mendigo perguntou:
— Não me reconhece mais?
A menina encarou-o com olhos atentos.
— Sim!... Estou reconhecendo!... Não foi você que lá na beira do ribeirão esteve passeando pela minha cara e me arrancou um feixinho de fios da sobrancelha?
— Isso mesmo! — confirmou o besouro. — Por sinal que por causa daquele espirro levei um tombo de mau jeito e fiquei aleijado para o resto da vida.
Pesarosa da sua desgraça, Narizinho pô-lo no bolso, dizendo:
— Fique quietinho aí e divirta-se com esses bolos. Vou levá-lo para o sítio de vovó, onde poderá viver uma vida sossegada sem ser preciso tirar esmolas.
Depois, tomando suas muletinhas, deu-as à boneca.
— Arrume-se nisso depressa, senhora condessa da Perna Vazia, que a hora da audiência está próxima.
E, precedidas pelos zangõess, as duas de novo entraram no palácio.
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Continua... Saudades
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
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