quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Carlos Leite Ribeiro (Vinte Anos Depois ...)

Vinte anos na vida de uma pessoa é muito tempo. 

Recordou-se dos momentos difíceis que passou quando a morte de seus pais. Primeiro morreu-lhe a mãe e, um mês depois, foi a vez do pai deixar este mundo. A situação financeira tornou-se então insustentável. A vida assim era impossível.
Foi então que resolveu escrever a um velho tio, que há muitos anos vivia na Venezuela.

Contou-lhe tudo e, na resposta, o bondoso homem mandou-a ir ter com ele. O tio era dono de um moderno e bem frequentado restaurante dos arredores de Caracas.
A Rosa, a Rosita, como carinhosamente era tratada por todos, conseguiu que o casal Gomes, que tinha uma pequena mercearia, lhe emprestasse o dinheiro necessário para a viagem e, assim, num belo dia meteu-se a caminho e só parou em Caracas.
Conforme lhe ia sendo possível, ia mandando dinheiro para pagar a sua dívida, que em menos de dois anos, estava completamente saldada.

Já há muito tempo que não devia nada a ninguém, além da gratidão àqueles que a tinham ajudado, numa hora tão crítica.

Vinte anos, tanto tempo!

No avião, em viagem Caracas / Lisboa, não parava de pensar nesta frase.

Horas depois o avião aterrou em Lisboa. Depois das formalidades alfandegárias, apanhou um táxi para a Estação Ferroviária do Rossio, e apanhou um comboio para sua terra natal, onde contava passar o Fim-de - Ano e só regressar a Caracas depois do Carnaval.

O comboio já entrara na curva que antecede a gare de desembarque, e o ruído dos freios cada vez eram mais intensos. Por fim a carruagem imobilizou-se. Lentamente levantou-se, agarrou a sua bagagem, e já com alguma ansiedade, saiu daquele comboio que a tinha trazido da capital.

- Precisa de um táxi?... Virou-se lentamente e encarou o homem que a interpelava, e, que novamente repetiu:

- Precisa de um táxi?

Rosa, como saísse de um sonho, respondeu-lhe:

- Sim, preciso de um táxi.

O motorista pegou então na bagagem e enquanto a arrumava, Rosa foi sentar-se dentro do táxi. Parecia um sonho estra na sua terra. Vinte anos depois, regressava.

- É para São Pedro que a senhora deseja ir? - Perguntou-lhe o taxista.

- Não, leve-me ao centro da cidade a uma pastelaria, pois ainda não tomei o pequeno-almoço.

Como a cidade tinha mudado, como estava diferente, como estava bonita!
Ainda absorta nos seus pensamentos, chegou quase sem dar por isso ao centro da urbe.

- Há pouco, disse-me que queria tomar o pequeno-almoço? - Lembrou-lhe o motorista.

- Pois disse. É aqui a pastelaria?

- É sim.

- Pode-me levar a bagagem para o hotel, que fica ali naquelas esquina? Já tenho aposento reservado.

- É um prazer, minha senhora. Desculpe a minha curiosidade, mas a senhora é natural daqui desta terra? Desculpe-me...

- Sou. Nasci nesta terra há 36 anos mas, já há vinte anos que não vivo cá.

- Desculpe-me. Vou já pôr a sua bagagem no hotel.

Rosa, antes de entrar na pastelaria, hesitou, mas por fim resolveu entrar.
Era um estabelecimento moderno, agradável, onde outrora existia um belo quintal de uma casa que, entretanto, fora demolida.

Pediu o pequeno-almoço enquanto acendia um cigarro.

Vinte anos... Quantas recordações lhe vinham à mente. Parecia um filme que lentamente se desenrolava na sua cabeça, em que ela, a Rosa, era ao mesmo tempo a argumentista, a realizadora e a intérprete.

Lembrou-se do simpático casal Gomes, que confiara nela e lhe proporcionaram a sua ida para a Venezuela.

O que teria sido feito deles?

Com a pressa de vir passar férias a Portugal. Até se tinha esquecido de lhes trazer uma prenda.

Mas que esquecimento o seu!

Entretanto, começou a ouvir a sirene dos Bombeiros, e, tal como outrora, os nervos começaram a encrespar-se.

Não tardou a começar a ouvir o barulho dos Soldados da Paz que fazem a apagar um fogo. E também ouviu um popular exclamar:

- A mercearia dos Gomes está a arder!

Ficou atônita com o que ouvira.

Levantou-se e correu até chegar à loja daqueles amigos que um dia a tinham ajudado. A loja, nessa altura já era um mar de chamas. Nada se podia aproveitar de seu recheio.

No passeio em frente, rodeados por muitos populares, estavam os velhotes que, com ar apavorado olhavam para o que tinha sido a sua loja, o seu ganha-pão.
Para eles, mais parecia um pesadelo do que a realidade.

- Com o negócio tão mau como tem estado, e ainda por cima nos acontece uma desgraça destas... Sem termos seguro, estamos desgraçados! - lamentavam-se os velhotes.

Foi então que a Rosa se abeirou deles, que não a conheceram, e a moça aproveitou para lhes dizer:

- Senhor Gomes, acabo de chegar da Venezuela e, uma amiga minha incumbiu-me de vos entregar este cheque, já visado para a Caixa Geral de Depósitos.

O velhote, maquinalmente agarrou o cheque e apenas balbuciou:

- Da Venezuela? Será da Rosa, da Rosita? Há, mas eu não posso aceitar este dinheiro todo…

- Aceite - retorquiu-lhe a jovem - pois, senão a Rosita ficava muito zangada comigo, e isso eu não quero. E agora, desculpem-me, mas tenho que me ir embora. Apesar do que vos aconteceu, eu desejo-vos muita saúde e muitas felicidades. Até à próxima amigos!

E a Rosa afastou-se rapidamente, sem esperar que os velhotes lhes respondessem.

Naquele cheque tinha entregado ao casal Gomes o dinheiro que tinha posto de parte para passar férias em Portugal. E o mais engraçado é que, por essa entrega, tinha terminado as suas férias mesmo antes de as ter começado.

Já no avião a caminho novamente da Venezuela, sorriu e pensou alto:

- Meu Deus, como a vida é tão dura...

Fonte:
Carlos Leite Ribeiro - Marinha Grande - Portugal

Nenhum comentário: