Um grande fidalgo que se tinha perdido numa floresta, foi dar de noite à choupana de um pobre carvoeiro. Como este ainda não chegara, foi a mulher que recebeu o ilustre personagem. Acolheu-o da melhor maneira, desculpando-se da triste hospitalidade que ia dar-lhe, pois que unicamente batatas cozidas lhe poderia oferecer. Cama não a tinha, portanto dormiria na palha. Mas o estrangeiro estava morto de fome e de cansaço; as batatas souberam-lhe que nem faisões, e dormiu deitado na palha melhor que num leito de príncipes. Ao outro dia de manhã declarou isto mesmo à pobre mulher, gratificando-a, ao despedir-se, com uma moeda de ouro. O desconhecido, porém, dissera-lhe que a guardasse como lembrança, e a boa camponesa julgou que seria talvez uma medalha, sentindo não lhe ver um buraquito para a trazer ao pescoço. Quando o carvoeiro chegou a casa, contou-lhe logo tudo, mostrando-lhe a moeda preciosa. O carvoeiro examinou os cunhes e o valor da moeda de ouro, e disse para a mulher:
– Este forasteiro era nada mais nada menos do que o nosso príncipe!
E o bom do homem não podia conter-se de alegria, por sua alteza achar as suas batatas ainda melhores do que faisões.
– No mundo inteiro, ponderou ele triunfante, não há terreno igual para batatas. Pois hei-de levar-lhe um cesto delas, já que as achou tão boas.
E foi-se imediatamente para o palácio com um grande saco de batatas escolhidas.
Os lacaios e as sentinelas, ao princípio, não o queriam deixar entrar; mas insistiu energicamente, dizendo que não vinha pedir nada, e que pelo contrário vinha trazer alguma coisa.
Foi, pois, introduzido na saia da audiência.
– Meu senhor, disse ele ao príncipe:
Vossa Alteza dignou-se o outro dia pedir hospitalidade a minha mulher, e dar-lhe uma peça de ouro, em troca de uma enxerga miserável e de um prato de batatas cozidas. Pagastes de mais, ainda que sois uni príncipe rico e poderoso. Por isso venho trazer a Vossa Alteza um cestinho das batatas, que vos souberam melhor do que faisões. Dignai-vos aceitá-las, e se voltardes alguma vez a ser nosso hóspede, lá as encontrareis sempre ao vosso dispor.
A honrada simplicidade do camponês agradou ao príncipe, e, como estava num momento de bom humor, fez-lhe a doação de uma quinta com trinta jeiras (ver nota ao final) de terra.
Ora o carvoeiro tinha um irmão muito rico, mas invejoso e avarento, que, sabendo da fortuna do irmão mais novo, disse consigo: «Porque não me há-de suceder a mim outro tanto? O príncipe gosta do meu cavalo, pelo qual lhe pedi sessenta Libras, que ele me recusou. Vou-lho levar de presente: se deu ao João uma quinta com trinta jeiras de terra, só por um cesto de batatas, a mim com certeza me há-de recompensar ainda mais generosamente».
Tirou o cavalo da estrebaria e conduziu-o para defronte das portas do palácio; recomendou ao criado que o segurasse, e, atravessando com ar altivo as alas dos Lacaios, penetrou na sala da audiência.
– Ouvi dizer que Vossa Alteza gosta do meu cavalo; não tenho querido vendê-lo, mas dignai-vos consentir que eu o ofereça a Vossa Alteza.
O príncipe viu logo aonde o nosso homem queria chegar, e disse consigo: Ora espera, tratante, que vais ter o que mereces!
Depois, dirigindo-se a ele:
– Aceito a dádiva, mas não sei como agradecer-ta condignamente. Oh! boa lembrança: eis aqui um cesto de batatas mais saborosas do que faisões. Custaram-me trinta jeiras de terra; parece-me que é um bom preço por um cavalo, que eu poderia ter comprado por sessenta libras.
E entregando-lhe o cesto, mandou-o embora.
––––––––––––-
Nota
JEIRA =Medida de terreno que varia de 19 a 36 hectares, conforme o país.
– Este forasteiro era nada mais nada menos do que o nosso príncipe!
E o bom do homem não podia conter-se de alegria, por sua alteza achar as suas batatas ainda melhores do que faisões.
– No mundo inteiro, ponderou ele triunfante, não há terreno igual para batatas. Pois hei-de levar-lhe um cesto delas, já que as achou tão boas.
E foi-se imediatamente para o palácio com um grande saco de batatas escolhidas.
Os lacaios e as sentinelas, ao princípio, não o queriam deixar entrar; mas insistiu energicamente, dizendo que não vinha pedir nada, e que pelo contrário vinha trazer alguma coisa.
Foi, pois, introduzido na saia da audiência.
– Meu senhor, disse ele ao príncipe:
Vossa Alteza dignou-se o outro dia pedir hospitalidade a minha mulher, e dar-lhe uma peça de ouro, em troca de uma enxerga miserável e de um prato de batatas cozidas. Pagastes de mais, ainda que sois uni príncipe rico e poderoso. Por isso venho trazer a Vossa Alteza um cestinho das batatas, que vos souberam melhor do que faisões. Dignai-vos aceitá-las, e se voltardes alguma vez a ser nosso hóspede, lá as encontrareis sempre ao vosso dispor.
A honrada simplicidade do camponês agradou ao príncipe, e, como estava num momento de bom humor, fez-lhe a doação de uma quinta com trinta jeiras (ver nota ao final) de terra.
Ora o carvoeiro tinha um irmão muito rico, mas invejoso e avarento, que, sabendo da fortuna do irmão mais novo, disse consigo: «Porque não me há-de suceder a mim outro tanto? O príncipe gosta do meu cavalo, pelo qual lhe pedi sessenta Libras, que ele me recusou. Vou-lho levar de presente: se deu ao João uma quinta com trinta jeiras de terra, só por um cesto de batatas, a mim com certeza me há-de recompensar ainda mais generosamente».
Tirou o cavalo da estrebaria e conduziu-o para defronte das portas do palácio; recomendou ao criado que o segurasse, e, atravessando com ar altivo as alas dos Lacaios, penetrou na sala da audiência.
– Ouvi dizer que Vossa Alteza gosta do meu cavalo; não tenho querido vendê-lo, mas dignai-vos consentir que eu o ofereça a Vossa Alteza.
O príncipe viu logo aonde o nosso homem queria chegar, e disse consigo: Ora espera, tratante, que vais ter o que mereces!
Depois, dirigindo-se a ele:
– Aceito a dádiva, mas não sei como agradecer-ta condignamente. Oh! boa lembrança: eis aqui um cesto de batatas mais saborosas do que faisões. Custaram-me trinta jeiras de terra; parece-me que é um bom preço por um cavalo, que eu poderia ter comprado por sessenta libras.
E entregando-lhe o cesto, mandou-o embora.
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Nota
JEIRA =Medida de terreno que varia de 19 a 36 hectares, conforme o país.
Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.
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