domingo, 8 de janeiro de 2012

Lendas e Contos Populares do Paraná (Almirante Tamandaré, Antonio Olinto, Arapoti, Clevelândia, Palmeira, Piraí do Sul)


ANTONIO OLINTO
O caixão


Em um rio de Antonio Olinto há um caixão, todo feito de cimento, que vaga pelas águas; poucas pessoas conseguiram vê-lo, pois ele aparece às vezes. Dizem que um dia, quando um homem estava pescando viu o tal caixão. O pescador, que sempre levava uma arma, naquele dia já a havia utilizado para atirar em uma pomba na beira do rio; mas quando ele foi pegá-la só havia penas e o misterioso caixão. Assustado, foi contar para os amigos e vizinhos que logo foram ver no local o caixão.

Ao chegarem no local, nada havia; desapareceu o misterioso caixão. Contam, também, que para retirar esse caixão da água é preciso que se tenha dois bois gêmeos. As pessoas que viram esse caixão já tentaram tirá-lo da água, mas, até hoje, ninguém conseguiu.

ARAPOTI
O preço da farra


João era um homem fanfarrão que não vivia sem um baile e diversão e, mesmo depois de casado, freqüentava bares e galpões por Arapoti afora.

Certa noite, ele encontrou uma bela moça e, após duas ou três músicas, não esperou nenhum instante e acompanhou-a até à casa dela. A mulher tinha ótima aparência, bem vestida e devidamente maquiada; era a figura mais notável da festa. Mas sua presença por ali já não se via há muitos e muitos anos. Chegando à casa da moça, eles entraram em uma sala enorme, o homem tirou seu casaco e colocou-o sobre uma cadeira. Após o lanche, e muito papo, ele despediu-se com a certeza de que voltaria a vê-la mais vezes.

No outro dia, o coveiro que era seu amigo foi até sua casa e entregou-lhe o casaco. A princípio, João duvidou, mas reconheceu como sendo seu aquele casaco e contou que havia esquecido na casa daquela moça. O seu amigo sorriu, dizendo que o havia encontrado dentro de um mausoléu no cemitério.

ARAPOTI
O espírito do cemitério


Há anos atrás ocorreu um fato no cemitério da cidade. Alguns jovens, em uma brincadeira de mau gosto, apostavam quem pegava mais cruzes, brincadeira esta que era muito comum naquela época.

Certo dia, uma moça muito bonita faleceu por causa não relatada, deixando um clima sombrio no local. Ao chegar o dia de finados, mais ou menos duas semanas depois do acontecimento, um rapaz senta-se sobre um túmulo e repara em uma bela garota ao seu lado. Inicia-se a conversa entre os dois que acaba repentinamente quando ele revela que roubava cruzes. Ela o desafia a roubar uma cruz naquela noite, a sua própria. Ela entrega-lhe uma rosa e desaparece no meio de outras pessoas. Ele guarda a flor dentro do bolso, envolta em um lenço azul.

Naquela noite, para a surpresa dele e de seus amigos, não havia nenhuma lápide e nenhuma cruz; era como se aquele lugar nunca tivesse existido. Ele lembrou-se da rosa. Quando pôs a mão no bolso teve uma terrível surpresa: a rosa transformara-se em um pedaço de osso humano.

CLEVELÂNDIA
A escrava


Há muitos anos atrás, em uma fazenda de nosso município, um fato curioso aconteceu. Certa amanhã de inverno, dona Maria esquentava-se na boca de seu fogão à lenha, quando sua escrava começou a falar, que quando morresse, não gostaria de ser enterrada no cemitério municipal e sim no cemitério da fazenda. Ali era o lugar que ela gostava. Dizia ela: “aqui eu nasci, aqui vivi e aqui quero ficar; naquela colina de onde poderei ficar enxergando os meus senhores, os quais foram tão bons para mim”. Sua patroa ria muito e não ligava para o que ela falava.

Como, naquela época, morriam muitas crianças ainda bebês, do chamado mal dos sete dias, a fazendeira fez um cemitério para as crianças, bem embaixo de um lindo pinheiro. Foi todo cercado com uma linda cerca branca. Muito tempo se passou e a escrava faleceu. Foi velada na fazenda, depois colocada em uma carroça para ser enterrada no cemitério municipal.

Porém, para sair da fazenda era preciso passar bem ao lado do cemitério das crianças e veja só o que aconteceu: quando chegaram bem perto do cemitério da fazenda, a carroça parou e os bois não iam nem para frente nem para trás. Puxavam, batiam nos bois, gritavam e nada adiantava. No mesmo instante, dona Maria lembrou do pedido que a escrava havia feito e determinou que voltassem, pois ela seria enterrada no cemitério das crianças, assim fazendo a vontade da escrava.

Os bois, então, começaram a andar sem que ninguém precisasse comandá-los. Andaram e chegaram até o portão do cemitério ali parando. Enterraram a escrava ali, realizaram seu último pedido, seu desejo de permanecer para sempre perto de seus senhores. Como dizia a escrava: “aqui nasci, aqui vivi e aqui quero ficar”.

PALMEIRA
Túmulo fora do cemitério


No verão de 1872, Zeca Paula, filho de rico estancieiro do Rio Grande do Sul, na cidade de Uruguaiana, trazia uma grande tropa, com destino à feira de Sorocaba, em São Paulo. Exaustos pela travessia do caminho do Viamão, chegando aos campos gerais estes resolveram fazer uma
pausa forçada.

Enquanto os peões zelavam pela tropa, Zeca Paula hospedava-se na freguesia de Palmeira, foi então que deparou com uma linda jovem, filha de importante família local. Os dois logo se apaixonaram. Conta a lenda que o pai não apreciava aquele namoro. Foi então que a jovem deixou de ser vista na janela. Dizem que a linda moça padecia em um sítio muito distante, consolada por sua mãe. Com o desaparecimento da moça o namorado entristeceu-se, de tal ponto que foi ao desespero. Pouco tempo depois, encontraram-no morto, enforcado em seu próprio quarto.

Sendo esta grande injúria contra Deus, no seu sepultamento o pároco não permitiu que seu corpo fosse enterrado no cemitério da capela Bom Jesus, ficando assim do lado de fora e em cova rasa.

Não se passando muito tempo, veio seu pai a Palmeira, substituir aquela modesta cruz de madeira por uma sepultura de pedra e cal, onde colocou uma lápide com os dizeres: “aqui jaz José de Paula e Silva filho do Barão de Ibicuí, nasceu em 2 de abril de 1835 e faleceu em 7 de março de 1873”. Com a reforma do cemitério, os restos mortais foram levados para o cemitério municipal onde se pode ver a referida placa em seu túmulo.

PALMEIRA
Lenda dos dois cavaleiros


Como um tropeiro cometeu uma injúria muito grave a Deus, o pároco não permitiu que o seu corpo fosse enterrado dentro do campo santo. Foi então enterrado fora dos muros do cemitério da capela do Senhor Bom Jesus. Entretanto, nesse mesmo período, um outro homem havia se enforcado, também cometendo grave injúria contra Deus.

Dizem que esses homens visitam-se. Passam pela “rua do Banhado” correndo, montados em cavalos sem cabeça e quando se encontram, descem de suas montarias e começam a cavar o solo, em sinal de cumprimento. Depois de voltar cada um ao seu lugar, desaparecem misteriosamente.

PIRAÍ DO SUL
O túmulo de Maria Quebra


Já existindo como aglomerado populacional desde o início do século XVII, o então Bairro da Lança manteve até o início do século XX as mesmas características das povoações habitadas por portugueses e seus descendentes, em sua convivência com o índio e o negro.

A Proclamação da Independência, a libertação dos escravos, a Proclamação da República ou a Revolução Federalista, ou outro fato nacional, em muito pouco modificaram o dia-a-dia dos habitantes do Bairro da Lança. Localizado às margens do caminho do Viamão a Sorocaba, o pequeno povoado que englobava as localidades de Cercadinho (Campo Comprido), Lança, Silva, Fundão, Machadinho, Furnas (Murtinho), Tabor e Jararaca, assistia à passagem do viajante que demandava São Paulo ao Rio Grande do Sul, ou dos Pampas ao Norte do País. Por ser o único caminho de ligação com o sul do Brasil, ou acolhia o tropeiro em sua passagem para a feira de Sorocaba, ou na volta aos campos de criação do Sul, sem que as características do seu dia-a-dia fossem modificadas significativamente.

Os mortos eram enterrados com o tradicional cerimonial da época, nos cemitérios existentes nas concentrações mais importantes do bairro como: Campo da Lança, Campo Comprido, Furnas e Fundão e mais recentemente no cemitério da Vila Piraí, localizado no Alto da Rua XV, onde os portugueses, brasileiros, índios ou escravos recebiam sepultura sob as bênçãos da fé cristã, o respeito às Leis, aos costumes e à tradição.

Entre os séculos XIX e XX, residia na rua hoje denominada Julieta Veiga Queiroz, nas imediações da casa de dona Zelinda Miro, uma senhora a quem chamavam “Maria Quebra”. Tinha esse nome em razão do gênio atirado, ou por suas atitudes violentas e rudes, o que era motivo constante de brigas e desentendimentos, o que lhe valeu o apelido.

A passagem para o século XX veio trazer a Piraí do Sul sensíveis modificações em todos os segmentos da vida local, notadamente em seus costumes e hábitos, comércio, sociedade, modificações estas que perduram até o final da Primeira Guerra Mundial.

A população local que era constituída essencialmente de descendentes de portugueses, com suas mesclas com o índio e o negro, recebeu o choque da imigração européia (alemães, poloneses, russos/ucraínos e italianos), bem como um significativo contingente árabe. Novos rumos tomou o aglomerado populacional, com um significativo aumento na construção de casas em novos estilos e o traçado de novas ruas. O dia-a-dia da Vila Piraí foi modificado sensivelmente, com novos hábitos na vida social, na igreja, no casamento, na comida, na escola, no comércio e na política, conservando até hoje a influência da imigração italiana. Com o aumento da população da sede da Vila, o pequeno cemitério da rua XV (alto), passa a receber os mortos não só da zona urbana, mas também da zona rural, recebendo melhoramentos, bem como túmulos artisticamente construídos.

Maria Quebra, na sua vivência com bebidas e festas e pela vida devassa que levava, contraiu o mal de Hansen, tendo padecido por longos anos desta enfermidade. Em meados do ano de 1917 veio a falecer, preparando-se o seu sepultamento, que seria realizado no cemitério ao alto da rua XV, como era de costume para os moradores da Vila. Sepultamento esse que não foi autorizado, sob a alegação de que Maria Quebra havia morrido de lepra e não poderia ser enterrada junto aos mortos daquele cemitério. O cemitério mais próximo da Vila era o Campo da Lança, que estava sendo desativado, primeiro pelo novo hábito de se utilizar o cemitério da Vila e, também, porque o local estava infestado de tatus rabo mole, ou testa de ferro; animais que profanavam as sepulturas, levando a que as famílias se negassem a enterrar seus mortos naquele local. O cadáver de Maria Quebra, insepulto, esperava local para seu merecido descanso, tendo em vista a negativa da autorização do uso do cemitério municipal.

Por fim, decidiu-se que ela poderia ser enterrada nas proximidades daquele campo santo, desde que fora dos muros. Assim, Maria Quebra recebeu sepultura ao lado direito da estrada que passa nos fundos do cemitério municipal e vai em direção ao bairro do Bonsucesso. Sua sepultura está a uns 700 metros além dos muros, ao pé de um centenário cedreiro, onde até hoje alguns devotos depositam suas preces e oferendas.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

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