terça-feira, 4 de setembro de 2012

Lino Mendes (O Trabalho e o Lúdico nos Meios Rurais)

Naquela semana, alguns “ranchos de trabalhadores”iam sair para uma quinzena, pelo que a “praça da jorna” tinha sido das mais concorridas enchendo a Rua Grande, da taberna do Zé Gabirra até à Praça onde já terminara o “mercado semanal”, e no qual de quase tudo se vendia, desde os produtos da horta e do calçado do Badeirana, até aos tremoços e” pirolitos de chupar” da ti Ilda Pina.”E o povo era tanto que se dizia que se uma laranja caísse do céu não chegava ao chão.

Era no entanto junto às tabernas que se verificava uma maior afluência de gente, pois era aí que se procurava patrão. De uma maneira geral este( o patrão) estava lá dentro, e como as mulheres não podiam lá entrar (a não ser chegar à porta para chamar o sê homem), era o capataz que fazia a ligação .A propósito de capataz (ou manageiro) este era uma figura por quem os trabalhadores, salvo uma ou outra excepção não tinham simpatia. Às vezes, diziam-me as irmãs Ramira e Margarida, eram piores que o patrão, só não nos tiravam a pele se não pudessem. E cantaram-me uma quadra das “saias”, que dizia assim:
Vai-te sol,vai-te sol
lá para trás do outeiro
alegria para o rancho
tristeza pró manajeiro


Claro que também cantavam uma destinada ao patrão
Vai-te sol, vai-te sol
para trás do barracão
alegria para o rancho
tristeza para o patrão


Isto e como se calcula, era cantado quando o dia de trabalho estava a chegar ao fim

Por volta da meia-noite começavam a regressar a casa ,mas podia acontecer que pelo caminho até à entrada da vila, mesmo quem tinha patrão encontrasse quem lhe desse mais cinco ou dez tostões por dia, e lá ficava o outro sem trabalhador/a. E era por isso que no outro dia logo de manhãzinha havia outra “praça da jorna”, mas agora no Lugar da Farinha Branca, a uns cinco quilómetros da vila.

Diga-se entretanto, que especialmente as mulheres ,mas também alguns homens, era à entrada da vila que se calçavam, voltando a descalçar-se à saída. Quando se calçavam para entrar na vila, deixavam guardadas em qualquer sítio as meias e a rodilha com que limpavam os pés.

Vindas do campo havia duas entradas.

A vida era, de facto, dura, pois bem cedinho, a pé e descalços lá partiam levando o farnel e as mantas à cabeça (elas) ou nos alforges (eles), dormindo ao relento e no meio do mato, quando por exemplo iam para as vindimas em Almeirim.

Chegados ao trabalho, que era de sol a sol, arrumavam as suas coisas no “quartel”,que era uma cabana grande que por vezes compartilhavam com o gado, e onde à noite contavam histórias ou faziam rendas(por exemplo “marcavam”lenços que depois ofereciam aos rapazes)

Mas o seu grande divertimento era o balho, e neste caso os chamados “bailes do trabalho”que faziam duas vezes por semana, e em cujos dias por vezes faziam empreitadas para descansar ainda um bocado. Que o horário, e foi mais uma vez a cantar que a senhora Margarida me explicou:
O almoço quere-se às nove
e o jantar ao meio-dia.
a merenda às quatro e meia
e a ceia ao fim do dia


E já agora, e sem que tal se pudesse considerar um padrão, explica-me a senhora Margarida que a comida durante o dia poderia ser:

Logo ao levantar, e antes de enregar no trabalho, comia-se um bocado de pão com queijo ou com azeitonas, depois ao almoço feijão frade ou batatas de azeite e vinagre, à merenda de novo pão com queijo ou com azeitonas, ao jantar feijão com couve ou sopas de carne e à ceia migas carvoeiras ou migas gatas

Mas voltemos à “balharada”.Naturalmente que levavam o fato com que trabalhavam.

(1) Gente havia sempre, até porque apareciam idos de outros ranchos que trabalhavam em herdades ali perto.

Naquele dia, não havia ainda tocador, mas esperavam que aparecesse o Ti Zé Bom Dia  (2) com o seu Harmónio, ou Ti António Carqueja com o seu Realejo, mas a falta de músicos nunca impediu que um balho se fizesse, pois cantava-se, por aqui normalmente as “saias”.Se eram mais as raparigas, bailavam umas com as outras, se eram mais os rapazes, havia o “bota cá dispensa”.

Era bonito, dizia-me o senhor João, mais conhecido por Jarreta quando uma (que andava a bailar) lançava a primeira quadra das saias, e de outro par lhe respondiam, podendo ainda outros ou outras entrar na liça. Mas o que ti António mais gostava de ver, era quando nos dois passos, que naturalmente cada um bailava como sabia, uns o faziam, rasteiro, outros pulado e ainda outros escufinhado.

A vida era, de facto, dura ,mas o baile era um refúgio, aliás o único divertimento que a vida rural lhes oferecia.

(1)Como se compreende, só nos chamados “bailes do trabalho” a mulher usava o traje de camponesa, porque nos outros usava a blusa domingueira, por vezes a única que tinha e que ao regressar a casa era logo lavada para estar em condições no fim de semana seguinte. Curioso, é que por vezes entregava um lenço ao par, para este colocar entre a mão e a blusa de maneira a não sujar esta.

(2) O alcunha de Bom Dia resultou do facto de ainda gaiato, andando a guardar gado, fosse qual fosse a hora em que o cumprimentassem, respondia sempre com um “bom dia”.

(3) Bailava-se muito quando ia-mos à semana ou à quinzena. Se houvesse baile duas vezes por semana, era à terça e à quinta, se houvesse só uma vez era à quarta ou à quinta. Depois isso acabou e era só ao fim se semana, ao sábado à noite(Maria Gertrudes


Fonte:
Lino Mendes (Montargil—Alto Alentejo-Portugal)

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