quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Soares de Passos (Amor e Eternidade)

Repara, doce amiga, olha esta lousa,
E junto aquela que lhe fica unida:
Aqui dum terno amor, aqui repousa
O despojo mortal. sem luz, sem vida.
Esgotando talvez o fel da sorte,
Puderam ambos descansar tranquilos;
Amaram-se na vida, e inda na morte
Não pôde a fria tumba desuni-los.
Oh! quão saudosa a viração murmura
No cipreste virente
Que lhes protege as urnas funerárias!
E o sol, ao descair lá no ocidente,
Quão belo lhes fulgura
Nas campas solitárias!
Assim, anjo adorado, assim um dia,
De nossas vidas murcharão as flores...
Assim ao menos sob a campa fria
Se reunam também nossos amores!
Mas que vejo! estremeces, e teu rosto,
Teu belo rosto no meu seio inclinas,
Pálido como o lírio que ao sol posto
Desmaia nas campinas?
Oh! vem, não perturbemos a ventura
Do coração, que jubiloso anseia...
Vem, gozemos da vida enquanto dura;
Desterremos da morte a negra ideia!
Longe, longe de nós essa lembrança!
Mas não receies o funesto corte...
Doce amiga, descansa:
Quem ama como nós, sorri à morte.
Vês estas sepulturas?
Aqui cinzas escuras,
Sem vida, sem vigor, jazem agora;
Mas esse ardor que as animou outrora,
Voou nas asas de imortal aurora
A regiões mais puras.
Não, a chama que o peito ao peito envia
Não morre extinta no funéreo gelo.
O coração é imenso: a campa fria
E pequena de mais para contê-lo.
Nada receies, pois: a tumba encerra
Um breve espaço e uma breve idade!
E o amor tem por pátria o céu e a terra,
Por vida a eternidade!
Fonte:
Poesias de Soares de Passos. 1858 (1ª ed. em 1856). http://groups.google.com/group/digitalsource

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