sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Nilto Maciel (Contistas do Ceará) Anos 1970/1980 – Barros Pinho

Seguindo informações de alguns historiadores ou cronistas da Literatura Brasileira, 1975 é o marco de uma nova era. No Ceará, entretanto, e em outros Estados talvez, esse marco não é bem nítido, eis que bem antes daquele ano se publicaram importantes livros de contos de escritores cearenses.

A revista O Saco começou a nascer em 1975 e foi em volta dela que, no Ceará, os novos contistas se tornaram mais ou menos conhecidos no resto do Brasil, iniciando-se um período de edição de seus livros no Rio de Janeiro e em São Paulo e de contos esparsos em jornais e revistas de todo o país. O nº 1 saiu em abril de 1976 e o sétimo em fevereiro do ano seguinte.

O Saco se constituía de quatro cadernos: “Prosa” (leia-se conto), “Verso”, “Imagem” e “Anexo” (artigos, ensaios, entrevistas, etc). Publicaram contos nos sete números os cearenses Airton Monte, Antonio Girão Barroso, Antonio Papi Júnior (ou Papi Júnior, nascido no Rio de Janeiro, em 1854, escreveu toda a sua obra no Ceará, onde faleceu em 1934), Araripe Júnior, Barros Pinho, Carlos Emílio Barreto Corrêa Lima, Fernanda Gurgel do Amaral, Fran Martins, Francisco Sobreira (assinado como Sobreira Bezerra), Gilmar de Carvalho, Heloneida Studart, Hugo Barros, João Teixeira, José Alcides Pinto, José Jackson Coelho Sampaio, José Domingos Alcântara, José Hélder de Souza, Joyce Cavalcante, Manuel de Oliveira Paiva, Marcondes Rosa, Moreira Campos, Nilto Maciel, Paulo Veras, Renato Saldanha, Roberto Aurélio e Yehudi Bezerra. Ou seja, gente do passado e do presente. Destes, poucos tinham livro editado.

Em 1976 Glauco Mattoso e Nilto Maciel organizaram uma antologia de contos dos novos escritores brasileiros, intitulada Queda de Braço – Uma Antologia do Conto Marginal, publicada no ano seguinte.

A seguir viria o Grupo Siriará de Literatura, que continuaria, de certa forma, o trabalho desenvolvido pelo pessoal de O Saco, aglutinando os escritores cearenses em torno de um programa e de uma revista.

Surgiram diversos grupos, com jornais e revistas, como é o caso de Seara – Revista de Literatura, criada em 1986, como órgão do Grupo Seara. Porém, nem todos os contistas desse período estiveram filiados a grupos. Alguns já tiveram livros publicados, quer no gênero conto, quer em outros. A maioria, no entanto, tem editadas peças de ficção apenas em coletâneas e revistas, sobretudo em Seara e Espiral. O mais veterano deles foi Alberto Santiago Galeno, nascido em 1917.

Alguns desses contistas só viriam a publicar livro de contos muito depois. Outros desapareceram do cenário das letras impressas.

Os escritores que se dedicaram ao conto nesse período, alguns com livros publicados, foram Audifax Rios, Cláudio Aguiar, Eugênio Leandro, Fernanda Teixeira Gurgel do Amaral, Fernando Câncio de Araújo, Gerardo Cristiano de Sousa, Glória Martins, Holdemar Menezes (que se radicou no Paraná), Hugo Barros da Costa, João Bosco Sobreira Bezerra, João Teixeira, Joaquim José da Silva Neto, José Jackson Coelho Sampaio, José Mapurunga, Joyce Cavalcante, Marcondes Rosa, Marly Vasconcelos, Mino (Hermínio Macedo Castelo Branco), Nilze Costa e Silva (nascida em Natal, RN), Nirton Venâncio, Nonato Lima, Renato Saldanha, Roberto Aurélio Lustosa da Costa, Rosemberg Cariry e Victor Cintra.               

Àquele grupo de contistas surgidos ao redor da revista O Saco e do Grupo Siriará vieram se unir Aíla Sampaio, Ângela Barros Leal, Antonio Mourão Cavalcante, Antônio Weimar, Beth Moreira Lima, Christina Cabral, Durval Aires Filho, Erika Ommundsen-Pessoa, Eurico Bivar, Fernanda Luz Benevides, Fernanda Quinderé, Francisco Carlos Bezerra e Silva, Francisco Nóbrega Teixeira, Francisco Paceli Vasconcelos, Francisco Roberto Bezerra Leite, Furtado Neto, Glícia Rodrigues, Heloísa Barros Leal, Inez Figueredo, Isa Magalhães (Leonisa Maria Magalhães), José de Anchieta França Mendes, José Leite de Oliveira Júnior, José Maria Leitão (pouco conhecido no Ceará, por ter se radicado em Brasília desde cedo), José Ribamar Leite Miranda, Lena Ommundsen, Luiz Gonzaga de Medeiros Nóbrega, Lydia Maria Brito Teles (nascida no Rio de Janeiro), Manoel César, Maria Cristina de Castro Martins, Maria Elizabeth de Oliveira, Maria Ilma de Lira, Maria Tereza Barros, Marisa Biasoli, Mary Ann Leitão Karan, Nathanael da Silveira Britto Neto, Ocilma Ribeiro Lima, Odélio Alves Lima, Paulo Gurgel Carlos da Silva, Paurilo Barroso Júnior, Pedro Wilson Rocha, Pery Augusto Bezerra, Raimundo Batista Aragão, Raimundo Nonato de Lima, Reginaldo Dutra, Regine Limaverde, Ribamar Lopes (ou José de Ribamar Lopes), Rosa Maria Matos Nogueira, Rosa Virgínia Carneiro de Oliveira, Simone Gadelha, Teoberto Landim, Valdemir de Castro Pacheco e Waldy Sombra.

Alguns escritores deste período são nascidos cerca de dez anos antes da maioria, o que cronologicamente os juntaria aos do capítulo anterior, como é o caso de José Costa Matos (1927), Geraldo Markan (1929), José Hélder de Souza (1931), Mario Pontes (1932), Natércia Campos (1938), Barros Pinho (1939), poeta com livro editado desde 1969 e que somente em 2002 apresentou um conjunto de histórias curtas, A Viúva do Vestido Encarnado. entretanto, já em 1971 seu nome aparecia na Antologia de Contistas Novos, organizada por Moacir C. Lopes.

Entretanto, editaram seus primeiros livros, participaram de antologias ou publicaram em jornais e revistas somente depois de 1970. Outros, porém, não poderiam estar aqui estudados por este mesmo motivo, como é o caso de Gerardo Mello Mourão, José Alcides Pinto e Moacir C. Lopes, porque, embora tenham estreado com livro de contos depois de 1970 (ou mesmo no século XXI), publicaram livros antes dessa data. Seria uma mistura inaceitável para o leitor e o pesquisador.  Ora, escritores nascidos nos anos 1920/30 e que escrevem e publicam desde os anos 1960 não podem ser considerados novos, embora tenham editado livros de contos depois de 1990. Assim, como pôr lado a lado, neste livro, Gerardo Melo Mourão (nascido em 1917, tendo publicado o primeiro livro em 1938) e Carlos Emílio Corrêa Lima (nascido em 1955), somente pelo fato de ambos terem editado coleções de contos depois de 1970?            

Tudo isso, porém, não tem muita importância, a não ser para tornar este livro mais didático.

Entretanto, a apresentação desses contistas não obedecerá a ordem cronológica de nascimento, mas a de publicação em antologias, revistas, livros, etc.
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Barros Pinho

José Maria Barros Pinho (Teresina, Piauí, 1939) poderia ser incluído no período iniciado nos anos 1970. Mas antes disso já participava de movimentos literários e publicava livros. Poderia também ser arrolado entre os novos, eis que seu primeiro livro de contos é de 2002. Mas muitos outros nascidos nos anos 1920 e 1930 também publicaram livro de contos nos anos 1990.

Cedo se mudou para Fortaleza, onde se formou, foi vereador, deputado estadual (três legislaturas) e prefeito de capital (1985); também exerceu a presidência do Instituto de Previdência do Município e da Fundação de Cultura, Esporte e Turismo desta mesma cidade. Professor, poeta e contista. Participou da Antologia de contistas novos (1971), organizada por Moacir C. Lopes. Membro da Academia Cearense de Letras, da Academia Cearense de Retórica e da Academia Fortalezense de Letras. Publicou os livros de poesia Planisfério (1ª. Edição, Fortaleza: Imprensa Universitária, 1969. 2ª. edição, Teresina: Corisco Editora, 2001); Natal de Barro Lunar e Quatro Figuras no Céu (Fortaleza: Edições Projeto, 1970); Circo encantado (Fortaleza: Gráfica Editorial Cearense, 1980); Natal do castelo azul, 1986; e Pedras do arco-íris ou a invenção do azul no edital do Rio (Fortaleza: Programa Editorial Casa de José de Alencar/UFC, 1998); além do livro de contos A Viúva do Vestido Encarnado (Rio de Janeiro: Ed. Record, 2002).

O título é muito sugestivo. Encarnado é o mesmo que vermelho, vermelho da cor da carne. Seguindo a tradição da literatura brasileira, Barros deveria ter escrito “vestido vermelho” e não “vestido encarnado”. No entanto, ele faz questão de se apresentar como representante de um neo-regionalismo, de resgate do linguajar nordestino, dos costumes e das tradições. A par disso, as viúvas vestem vestidos pretos, sobretudo nos primeiros tempos de luto. Ao usar um vestido encarnado, a viúva do conto que dá título ao livro cumpriu a promessa feita ao marido, manchando de vermelho o negro do luto.

                Os dramas vividos pelos personagens de A Viúva do Vestido Encarnado são dramas universais, embora localizados no sertão do Nordeste brasileiro ou, mais precisamente, às margens do rio Parnaíba, no Piauí. O tempo histórico desses dramas poderia ser o do início da segunda metade do século XX, quando da substituição das moendas de madeira pelos engenhos de ferro, na fabricação de rapadura e outros produtos derivados da cana de açúcar. Tempo dos alambiques, dos coronéis donos de tudo, dos cambiteiros, dos vaqueiros, dos currais. No entanto, como está no conto da viúva, “O tempo, como lagarta, vai comendo o destino das pessoas”.

“Araçás do Mestre Rosa” é um drama de amor e morte, como tantos e tantos outros da literatura. O triângulo amoroso é formado por Eugênio, mestre Rosa e Amália. O primeiro vive a viajar, “a trato de negócio de arroz e babaçu”. E aí está dado sinal para o início do conflito: o dono da casa vive viajando, enquanto sua mulher observa outro homem, dentro de casa “na caiação da casa e no preparo da capela branca-azul ao lado”. Em a “Faceirice da Burra Sabiá nos Alegres do Zeca do Bonário” a desilusão amorosa do homem se dá logo nos primeiros dias do casamento. E aí se inicia o conflito. Conviver ou não conviver com a mulher desvirginada por outro?

Os contos de Barros Pinho têm uma estrutura definida: primeiro ele pinta o espaço em que se desenrolará o drama, em seguida desenha o protagonista e logo o leitor se percebe no meio do redemoinho do conflito. Como bem vislumbrou José Alcides Pinto, em “Barros Pinho: as teias da escritura” (Diário do Nordeste, Fortaleza, CE, 27/10/2002), “A paisagem geográfica vai se delineando como na montagem de um filme” (...).

Em “Araçás do Mestre Rosa” a ação se dá num sítio localizado na ribanceira do Parnaíba. Como em muitos outros contos do livro, Barros Pinho localiza suas histórias às margens do grande rio do Piauí. No entanto, no conto de Zeca do Bonário o espaço, ou a geografia, cede lugar aos personagens, à história propriamente dita. Em “Mundica, Mulata do Cais” é mais acentuada a presença do rio Parnaíba na prosa de ficção de Barros Pinho: “o paredão chamado cais”, as balsas, as águas. Mas há também o sertão com suas palmeiras de babaçu, seus brejos.

No conto dos araçás apenas três personagens participam diretamente do conflito, o que é óbvio, por se tratar de um triângulo amoroso. Amália, a filha do coronel Gaspar, “espiadeira dos viajantes das lanchas que subiam as águas do rio”, seu marido Eugênio e o mestre Rosa, que tenta fugir da tentação de trair o amigo.

Na história de Zeca do Bonário são também apenas três os personagens principais: Maria, no dia do casamento, se apresenta triste, acabrunhada, porque já não seria virgem. Leia-se esta frase: “Ela vem com o olhar fixo na perna da mesa”. E esta: (...) “Maria esconde afogado de tristeza no canto dos olhos” (...) Zeca é o marido “traído” antes do tempo: “Se bem contado, quase um ano e um dia esperando sangue de virgem pra molhar minha macheza de homem”. Até decidir levar a esposa de volta à casa dos pais: “Aqui tá Maria, do jeitinho que me entregaram”. O pai, Vicente, “Apanhou o mal dos tristes”.

No entanto, nem só de homens enganados são construídas as histórias de Barros Pinho. Há também os heróis, os valentes, como Zeca Gois, com suas constantes aventuras. “O Zeca, se rezava, rezava com o punhal na mão”. Ou como Bené Gavião (“Os 10 Limites de Bené Gavião”), virado herói depois de levar nove surras. Ao receber umas relhadas do soldado Beradão, aplica-lhe algumas facadas, matando-o. “Sou mais do que homem, sou gavião que não tem medo de voar”. Outros, como Abdon (“Josefa da Neblina na Roça de Abdon”), viviam em razão das mulheres: “Quem tiver mulher esconda dele”.

Quando quer fazer galhofa, o contista utiliza a caricatura, a lembrar Rabelais. Aliás, há também muito de Molière e Cervantes nas “novelas” de Barros Pinho. Sim, porque os contos de A Viúva do Vestido Encarnado têm muito das novelas daqueles gênios, pelo pitoresco, pelo fescenino, pelo humour, pelo caricaturesco. Veja-se o retrato da senhora Tranquilina Pereira, cujo corpo “parecia um saco cheio de carnaúba; o rosto com as pontas dos ossos salientes; os olhos trocados num caraolho esquisito; a boca agamelada com uma dentadura a se mexer e a estalar, ver guaxinim chupando cana; os peitos tais jenipapos maduros à procura dos joelhos; as pernas, cambitos secos, carga de bagaço; as orelhas, cego passava chuva embaixo delas esperando o sol; os cabelos duros como de porco-espinho; e os braços compridos lembrando vereda de peba; e as mãos grandes como o abano do diabo chegando no inferno. (...) Não era gente, era bicho com parecença de mulher”.

Em todo o livro observa-se o emprego de frases curtas e enxutas, inclusive com a supressão de artigos e verbos. A par disso, a linguagem poética é uma constante. Metáforas e mais metáforas são encontradas no decorrer das narrações e nas falas dos personagens, tal como em José de Alencar. “Espanto de Zeferino no Dilúvio de Santa Bárbara” tem por desfecho este belo verso: “A Terra é uma asa de anum escuro voando pro céu!” Em “O Zeca do Tiro no Bode da Nazária” encontra-se esta outra preciosidade: “Viver pelo absurdo no buraco dos abismos até alcançar as linhas da aurora”. Às vezes, as frases são construídas com a mesma poesia do sertanejo: “Homem e mulher foram feitos para o mesmo caçuá da vida”. Dimas Macedo, no artigo “Recriação da linguagem” (Diário do Nordeste, Fortaleza, CE, 27/10/2002), já se referia a este aspecto na obra de Barros Pinho: “Mas poesia, na sua ficção, como no poema, se infiltra, às vezes, quase absoluta, e reina, absoluta, de maneira quase provocante, desafiando jargões, anunciando formas, propondo universos linguísticos, restabelecendo vernizes populares e códigos de unidade semântica”.

Barros Pinho não se vale das técnicas tradicionais, em especial no caso do foco narrativo. Em “Araçás do Mestre Rosa” faz uso frequente do monólogo interior e do diálogo interno. O narrador, no caso em foco, não pode ser confundido com o escritor nem com o clássico narrador onisciente. Veja-se este trecho: “Seu Eugênio da Varginha era conhecido como folha de pau-das-extremas, homem de comércio sem fazer mistério. No vai-vém da troca, nada escapava que não fosse objeto de mimo e mulher, semente da família. Opa, seu Eugênio, não segure em rabo de cotia. Era a vez do Tonho do Sérgio, juiz de paz dos araçás: meça as palavras debaixo do céu”.

Com A Viúva do Vestido Encarnado Barros Pinho se afirma como uma das revelações da ficção curta não somente no Ceará, mas no Nordeste brasileiro, empunhando a bandeira de um novo regionalismo – poético nas frases e nas falas dos personagens, de elaborada feitura e sem os cacoetes do velho regionalismo.

Fonte:
MACIEL, Nilto. Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil. Fortaleza/CE: Imprece, 2008.

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