Cousa má ou cousa boa
Traz vantagem boa ou má;
O incêndio da Gamboa
Neste aforismo entrará.
Não fosse aquele medonho
Desastre que ali se deu,
E do qual nada aqui ponho,
Pois que o leitor tudo leu,
Não saberia eu agora,
Pelas narrações que vi,
Uma notícia que chora,
E que — essa, sim — ponho aqui.
Foi quando a água, correndo
Pela rua e para o mar,
Ia ardendo, ardendo, ardendo,
Ardendo de amedrontar.
Então li que os habitantes
De um beco, com tal horror
Viram as águas flamantes,
Arrastando a morte e a dor,
Que pensaram em deixá-lo,
O beco em que há muito estão,
Onde a morte, a fogo e a estalo,
Punha em gelo o coração.
Esse beco, o beco escuso,
O beco que nunca vi,
Beco de tão pouco uso,
Que nunca o nome lhe li,
Chama-se do conselheiro
Zacharias; leiam bem.
E vá, reflitam primeiro,
Como eu refleti também
Ó meu douto Zacharias!
Meu velho parlamentar!
Ó mestre das ironias?
Ó chefe ilustre e exemplar!
Quantas e quantas batalhas,
Deste contra iguais varões!
E de quantas, quantas gralhas,
Tiraste o ar de pavões!
Sólido, agudo, brilhante,
Sincero, que vale mais,
Depois da carreira ovante,
Depois de glórias reais,
Deram-te um beco... Olha, um beco...
De tantas cousas que dar,
Coube-te a ti, homem seco,
Triste beco ao pé do mar.
Não digas que são mofinas
Estas nossas distinções
Pintadas pelas esquinas;
Esquinas fazem barões.
Não cuides que, nesta lida
Em que andamos, tem de ser
Viva ainda a tua vida,
Escrita ou por escrever.
Logo, era uma honrosa graça
Se entrasses no grande rol
Com uma rua, uma praça,
Bem à vista, bem ao sol.
Mas, não. De quanto valias,
Agora nada valeis.
Há o beco Zacharias,
E a rua Malvino Reis.
Daqui, amigo, derivo
Esta antiga e estranha flor:
“Mais vale súdito vivo
Que enterrado imperador”.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
Traz vantagem boa ou má;
O incêndio da Gamboa
Neste aforismo entrará.
Não fosse aquele medonho
Desastre que ali se deu,
E do qual nada aqui ponho,
Pois que o leitor tudo leu,
Não saberia eu agora,
Pelas narrações que vi,
Uma notícia que chora,
E que — essa, sim — ponho aqui.
Foi quando a água, correndo
Pela rua e para o mar,
Ia ardendo, ardendo, ardendo,
Ardendo de amedrontar.
Então li que os habitantes
De um beco, com tal horror
Viram as águas flamantes,
Arrastando a morte e a dor,
Que pensaram em deixá-lo,
O beco em que há muito estão,
Onde a morte, a fogo e a estalo,
Punha em gelo o coração.
Esse beco, o beco escuso,
O beco que nunca vi,
Beco de tão pouco uso,
Que nunca o nome lhe li,
Chama-se do conselheiro
Zacharias; leiam bem.
E vá, reflitam primeiro,
Como eu refleti também
Ó meu douto Zacharias!
Meu velho parlamentar!
Ó mestre das ironias?
Ó chefe ilustre e exemplar!
Quantas e quantas batalhas,
Deste contra iguais varões!
E de quantas, quantas gralhas,
Tiraste o ar de pavões!
Sólido, agudo, brilhante,
Sincero, que vale mais,
Depois da carreira ovante,
Depois de glórias reais,
Deram-te um beco... Olha, um beco...
De tantas cousas que dar,
Coube-te a ti, homem seco,
Triste beco ao pé do mar.
Não digas que são mofinas
Estas nossas distinções
Pintadas pelas esquinas;
Esquinas fazem barões.
Não cuides que, nesta lida
Em que andamos, tem de ser
Viva ainda a tua vida,
Escrita ou por escrever.
Logo, era uma honrosa graça
Se entrasses no grande rol
Com uma rua, uma praça,
Bem à vista, bem ao sol.
Mas, não. De quanto valias,
Agora nada valeis.
Há o beco Zacharias,
E a rua Malvino Reis.
Daqui, amigo, derivo
Esta antiga e estranha flor:
“Mais vale súdito vivo
Que enterrado imperador”.
Fonte:
Obra Completa de Machado de Assis, Edições Jackson, Rio de Janeiro, 1937.
Publicado originalmente na Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, de 01/11/1886 a 24/02/1888.
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