O SAPO
Curitiba/PR, 1926 – 2017
O SAPO é feio! Ninguém nega,
Assustando muita gente.. .
Sobrevive na refrega,
Povoando o seu ambiente.
É demais enigmático,
Tem olhar sentimental...
Andarilho, carismático,
Sempre um tema universal.
No seu leito de batráquio,
Liberdade é seu luzeiro.. .
Assim, cônscio, esse terráqueo
Filosofa o tempo inteiro.
Sua vida uma ciranda,
Coaxando ganha loa...
É Maestro que comanda
As Orquestras da lagoa.
Diz a ciência que ele é útil,
Para a horta e pro jardim. . .
Que não tem nada de fútil,
Anti-inseto sempre a fim.
Mais de noite que de dia,
Vai à luta sem destino...
Curte tristeza e alegria,
Conformado, peregrino.
Criatura que impressiona,
Toda envolta na magia...
Tem nos ermos sua zona,
Aconchego e fantasia.
Vai levando a vida mansa,
A despeito da maldade...
Do homem que não se cansa,
De enxotá-lo da cidade!
Leonardo Henke
Curitiba-PR, 1906 – 1986
AO SAPO
Tua vida, pobre sapo,
é de dor toda uma mescla,
vivem os maus a pisa-la,
porque és bom, és manso, és guapo.
Se rasgam-te igual a um trapo,
quedo, nem ergues a fala,
nem há em teus olhos de opala,
de raiva o mínimo fiapo.
Mais do que eu, és justo e sereno;
pois se, num viver ameno,
passo a vida a blasfemar,
tu, ó filósofo eterno,
embora sofras o inferno,
vives feliz a coaxar.****************************************
Serafim França
Curitiba-PR, 1888 – 1967
SAPOS
O Sapo é um bicho hostil, bicho de morte!
Dizem alguns que a teimosia sua
vem do complexo de coió sem sorte.
Passa ele a noite inteira de olho aceso
com intenção de namorar a Lua
e ela lhe vota o seu maior desprezo.
Justíssimo é o desdém, porque o animal
além de feio e bobo e de ser baixo,
na hora de burilar um madrigal
apenas ronca um detestável coaxo.
Por isso é que é um boêmio repudiado,
O beijo dele deve ser gelado
e quem tem sangue frio não tem amores.
Há muito poeta modernista, de hoje,
que vive ao rés-do-chão, arfando o papo,
e embora invoque a Musa a Musa foge
porque poesia é do alto, é asa no azul,
canto heroico e não ronco de paul...****************************************
Euclides Bandeira
Curitiba-PR, 1877 – 1947
SAPO
Olhai atentamente: é um sapo. Um sapo!,,. E nada
Mais asqueroso do que um sapo!.. . E nada mais
Repugnante do que ele, o rei d'água estagnada,
Verde como a gangrena azebre dos metais.
Mirai-o bem, porém, como eu estou a olhar
Esse que os gorgolões de uma enxurrada crua
Cuspiram da sarjeta — upa! cabriolas no ar,
E estatelou-se de redondo ali na rua.
Caiu, ficou. E mais chato que a laje lisa!
Há de encontrá-lo quem ao transitar embaixo
Dos pés sentir, cedendo, a maciez de um capacho
De musgo fofo a se afundar quando se pisa.. .
A pata de um corcel com ferraduras de aço
Passando a galopar, mais lesto do que um corso,
Talvez sem dó o esmague, ao lhe premir o dorso,
Fazendo-o vomitar as vísceras, o baço...
Mas, ele ali está, quieto, desprevenido,
Descuidado de si, do mal, das traições;
De resto o sapo é assim, parece andar perdido
Sempre em profundas e sérias cogitações.
Ah! quem sabe se nesse animal tão rasteiro
Que mal consegue erguer-se um palmo além do chão.
Não há uma centelha, um vislumbre, um ligeiro
Fulgor de inteligência, um timbre de razão!...
Se tal acontecer, ele que anda de rojo,
E não sabe, sequer, que existem tantos sóis,
Deste nosso paul e de nós, todos nós!
Que náusea há de sentir!. . . Que desprezo e que nojo!
O mundo é um tremendal; envolve tudo a lama:
Era um palácio de ouro assente sobre o lodo:
Tragou-o um terremoto e, incendiado todo,
Sumiu-se. . . Apenas resta uma língua de chama.
A Fé caiu no charco, o Bem em vil marmota...
A liberdade! — a Luz! num grande ceno hiante...
A Justiça — piedade!... — uma ceguinha rota
Aí anda a esmolar de porta em porta,.. Adiante!
Nada resta impoluto; é uma vasa o Universo.
Onde um canto de sol para o altar da Pureza?
Há salpicos de lodo até no próprio verso!
N'alma, no mar, na terra, em toda a natureza!
Ah! o sapo compreende o atascal de misérias
Que afaga a Humanidade... Ao vê-la na asfixia
Ele às vezes, deixando as atitudes sérias,
Assume estranho ar de esplêndida ironia!
Compreende tudo!. .. E quando a lua nova, perdida,
Divaga na amplidão envolta em manto gázeo,
É por nós que ele coaxa uma nênia sentida,
Erguendo para os céus os olhos de topázio.,.
Fonte:
Apollo Taborda França. 10 grandes temas (clássicos) da literatura. Curitiba/PR: Gráfica Vitória, 1989.
Livro enviado por Vânia Ennes.
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