sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Clara Andrade Miranda de Araújo (Poemas Avulsos)


ÁRVORE DA VIDA

De criança eu me lembro, de uma visão bela
Onde uma árvore pequena, como eu, havia
Invadindo-me a vida, naquele instante,
Em que o mundo a mim se atrevia

No tronco se abria uma porta e eu adentrava,
Sempre de manhãzinha, olhos fechados, ainda,
Tão espaçosa, de luz intensa era a casa,
Como se ali morasse, eterno, o sol do meio-dia.

O tempo me consumiu em dilemas
E a criança escondeu-se nas incertezas e espinhos,
Da minha construção restaram, apenas, caquilhos
Que fui juntando pelos caminhos

Começo a regressar à casa, agora, mansão edificada
Em novos alicerces que o Mestre me ensinou
A retirar das tempestades, das quedas, no tempo
Em que ao meu lado caminhou

Pressinto a escadaria, onde os primeiros passos
Em direção à porta que finalmente se abrirá
No momento esperado, há de me acolher no seu amor
O grande construtor da vida, o Espírito Sagrado!
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ESTRANGEIRISMO

Pobre do nosso idioma
Que o estrangeirismo assola
Pra se falar hoje em dia
Na língua é preciso mola

Estar bem na vida é o must
O habitat é um flat
Onde o chic é ter um site
Relax na Internet

My darling tem mais um hobby
Diz o brother da society
Em weekend no Blue Moon
Com Sunday e soda light
Ganhei charm e new look
Usando training de strech
Se o stress te deixa down
Vá comer chips ou fresh

No window uma homepage
E um fax modem na house
Pra convidar pro new age
É só clicar o seu mouse

I love you para o baby
I’m sorry, como dói,
Recado só por e-mail,
Ou pelo office boy

Play back num happy end
En passant com champignon
Ticket num happy hour
Champagne no reveillon

O baby look dá o tom
Antigo é o pullover
Na rua tem dance street
Cantor da moda é um cover

Special é uma star
Que usa Babouche ou um Nike
O fashion é o black tie
Desconfiou é insight

Bye bye que eu vou pros States
Trabalhar num workshop
Na bag só um Rocaille
De cotton blue levo um top
Talvez eu vire uma lady
Ou uma star superpop.
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MINHAS MÃOS

Não eram assim essas mãos, elas já foram belas,
Mãos de crianças que davam vida
Às bonecas de milho, puxavam o rabo do gato
E o fio preparativo das teias agarradas às janelas
Regiam o canto do galo no terreiro, o latido do cão,
Naquele mundo brejeiro iniciavam a própria construção
Nos castelinhos de areia

Em tempos não matinais, já pelo meio-dia,
Arregaçaram mangas, no inverno e no verão,
Retiraram a brisa para as lembranças, enxugando lágrimas,
Distanciadas do caloroso e paterno abraço,
Embalaram berço com o canto do meu amor materno,
E na dor, exaustas, prepararam unguento para estranhas feridas,

Essas mãos, hoje cansadas, nunca foram ausentes,
Regeram de um jeito singular como o tempo quis
A sinfonia de semblantes jovens, durante quase uma vida inteira
E com devoção, manusearam nobres instrumentos:
Livros, apagador, giz,...
E recolheram tanta luz de uma aquarela
Ansiosa por colorir o meu mundo submerso
Que não puderam suportar e assim escurecidas,
Cicatrizes de um tempo prisioneiro
Elas vão escorregadias por entre os dedos,
Pintando em arremedo, as páginas em branco na forma de verso.
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ÚLTIMA FLOR DO LÁCIO

"Última flor do Lácio inculta e bela"
Pelo mar em caravelas
Um dia chegou aqui
Num distante mês de abril,
Lusitana mãe de um povo alvissareiro
Ao encontro de um guerreiro
Forte e valente Brasil.

D'além mar ela chegou,
Em pés descalços caminhou,
Porta-voz de outra bandeira
Que fiel, um som nasala,
Soletrou em outras falas
A beleza do beabá.

Sua riqueza é que faz a doce lavra,
Dona de toda palavra,
Me ensinou a cantar
Amor a ti ó língua portuguesa.

E a boa mãe, língua materna,
Veio para ser eterna, morando na voz da gente
E o poeta que esse canto assim encerra,
Ao beijar a minha terra
Deixaria num prefácio
Que pra sempre eu vou amar
A "última flor do Lácio"

"Quem é que traz à voz tanta beleza
É com certeza nossa língua portuguesa"

Fonte:
Rubens Luiz Sartori (org.). Compêndio da Academia Mourãoense de Letras.  Campo Mourão/PR: UNESPAR/FECILCAM, 2004.
Livro enviado por Sinclair Pozza Casemiro

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