Camboriú exagerara nos requintes, cobrindo-se de canteiros floridos para receber trovadores vindos de vários estados do Brasil e da Argentina, estes, gente nova na Trova, nem tanto pela idade, mas pela recente adesão ao Movimento. Alguns completamente desconhecidos, porque estreantes.
Ele passou por nós, anonimamente, de braço com a esposa. Chegara no ônibus de Porto Alegre. Ao vê-lo, meu olhar e o de meu marido buscaram um ao outro, numa convergência de pensamentos traduzidos de imediato: — Você não vai chamá-lo de Papai Noel, não é? Nós nem o conhecemos e ele pode não gostar.
— Claro que não! — prometi ao marido preocupado, mas, interiormente, a intenção do cumprimento da promessa não era tão clara assim.
Voltei a analisar o casal que passara por nós e entrara na fila do teleférico, que nos levaria à Praia das Laranjeiras. Se Papai Noel vestisse jeans, certamente não precisaria de credenciais para provar a identidade. Jamais eu vira alguém tão perfeito como aquele Papai Noel, capaz de ser reconhecido, mesmo sem os trajes tradicionais! Barbas brancas, branquíssimas como flocos de neve! Cabelos levemente ondulados, cortados à Noel. Os olhos... bem, quanto aos olhos, se por acaso o Papai Noel verdadeiro andasse lá pela Lapônia, pelos países nórdicos ou por onde quer que fosse, certamente deveria estar absolutamente cego, porque aqueles olhos de azul cobalto, brilho cristalino e doçura de mel, só poderiam ser os olhos dele, porque únicos! E esses olhos, únicos, sem similares, ali estavam, sob as sobrancelhas alvas daquele homem que... senão era Papai Noel... pelo menos parecia ser!
Indaguei a meu marido: — Se você fosse criança e ele passasse por perto, o que você faria?
— Sei lá!…
— Não sabe? Pois lhe garanto que se eu fosse criança e este Papai Noel passasse por mim, não pensaria duas vezes, correria atrás dele e lhe pediria de presente a paz de continuar crendo que ele era aquele que parecia ser!
Um dos módulos do teleférico encostou. Cinco pessoas se acomodaram nele. Entre elas Papai Noel e sua companheira. Restava um lugar vago. Não disposto a enfrentar a travessia, meu marido liberou-me o passe. E foi quando ganhei um aceno do casal que me convidava para ocupar a vaga. Lotação completa.
Sentada ao lado do homem que parecia ser Papai Noel, mas não era, exultei quando ele gentilmente se apresentou: — Rinaldo, ou melhor... Papai Noel — que é como todo mundo me chama.
Iluminada pela revelação e liberada da promessa feita, ainda tive tempo de apresentar meu vizinho de viagem a meu marido, mesmo de longe: — Ele é Papai Noel!... Papai Noel, sim!!!
Eva, a simpática esposa daquele clone do Bom Velhinho, era brasileira. Ele, não. Contudo, falava perfeitamente nosso idioma, sendo até autor de um livro em língua portuguesa. No seu sotaque, porém, havia qualquer coisa que me intrigava. Qualquer coisa indefinida, difícil de identificar. Que língua se esconderia por detrás daquele sotaque, que me soava pouco familiar?
— Italiano e gaúcho — explicou o homem que não era Papai Noel... mas parecia ser,
— Italiano e gaúcho? — repeti, não satisfeita. Algo ainda faltava ao molho. A resposta matou o mistério.
Aquele Papai Noel chegara ao Brasil, com quinze anos de idade, vindo do seu país natal, a Croácia — o tempero que faltava!
A travessia para a Praia das Laranjeiras foi belíssima! A princípio, morro acima. No topo, a paisagem magnífica, descortinada de chofre, como cortina de um palco que encobrisse um cenário soberbo e, de súbito, o revelasse. A praia, lá embaixo... e nós descendo, devagarinho, ao seu encontro e também ao encontro da água de côco, docinha, gelada, sorvida a canudo, diretamente do bojo verde.
O Papai Noel, que, se não era, parecia ser... regalou-se! Não só com a água do côco, mas também com a polpa deliciosa, que, segundo disse, nunca provara.
A tarde findava. Dezoito horas. Hora de voltar. Instalados no teleférico, tão logo engrenada a partida, mais uma surpresa. Voz bonita, de tenor, cortou o espaço. Era o nosso Papai Noel que entoava a Ave Maria de Gounod! A brisa, que balançava levemente o veículo, praticamente, deixou de soprar. A velocidade também diminuiu. Parecíamos flutuar, deslizando por sobre o abismo. Outras cinco vozes juntaram-se à primeira, entre elas a minha... Aquele módulo panorâmico do teleférico como que se transformou num trenó puxado a renas, transportando um coral de cinco "crianças" felizes e um Pai Noel cantante! Panis Angelicus... Volare ô ô... Cantare ô ô ô ô.,. As melodias se sucediam enquanto os ecos da tradicional Jingle Bells pairavam no ar. Um pouco mais de fantasia, e, até os guizos festivos das renas poderiam ser ouvidos!
Ao pousarmos, outra vez, em solo firme, a porta do teleférico abriu-se e a magia se foi!
O homem de jeans, de barba imaculadamente branca, deu o braço à companheira e voltou a ser o homem comum, que tanto parecia ser Papai Noel... mas, infelizmente, não era!...
No entanto, quem notasse, bem lá no fundo, o brilho especialíssimo daqueles instigantes olhos azuis, guardaria para sempre a desconfiança: — Será mesmo.., que não era?!!!...
Alguns anos depois, mais precisamente em 2010, chega de Porto Alegre, a triste notícia do falecimento de Rinaldi, conhecido advogado e trovador local, ou melhor — aquele Papai Noel que, embora não sendo, nos deixou a certeza de que... bem poderia ter sido!
Fonte:
Carolina Ramos. Feliz Natal: contos natalinos. São Paulo/SP: EditorAção, 2015.
Livro enviado pela autora.
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