quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Olivaldo Júnior (Um Coração, Também) Para Caio Fernando Abreu


Debruço-me sobre meu próprio corpo, cansado, exausto de tanto horror cotidiano. Busco uma música, um copo bem grande com água, um suco, uma fruta, um pouco de paz em meio à guerra sabe-se lá pelo quê, por quê, muito menos por quem. Quem me deixou aqui? Quem me mandou descer à Terra e cumprir meus dias como alguém? Mas alguém me disse: Deus. E escuto, de repente, o som de Bach numa vitrola, o som de Bach em “louva-ação”.

Cansado, quero um corpo menos denso, uma lua menos nova, um tempo para o sono. Sonso, o senso me pede: Um coração, também. Mas um que bata ao mesmo ritmo do seu, à mesma cardiofrequência e que se pareça um pouco infenso à dor, essa (in)constante solidão que perpetua os homens e as mulheres nos barzinhos, sempre a ouvir MPB, sempre a rir sem ter ouvido a piada infame que aquele “amigo” que se encontra por acaso conta ao léu. Argh!

Leve como uma pluma, quero a luz ao fim do túnel, algo que me diga que devia, ou deveria, ser assim: Aos (censurado) anos, mas ainda sem ninguém!. Alguém, o senso, me pede: Um coração, também. Parece que o senso comum quer mesmo que eu tenha um coração que me cutuque, me belisque e me machuque, mas, coração, ‘tá valendo, vale tudo, nesse caso. Quem não quer alguém que o veja, imperfeito como você é, e ‘pire’? Quem não quer, né?

Exausto, deito a cabeça em minhas letras e me elevo a poeta, a escritor, a letrista, a beletrista, a quixotesco e a qualquer outra coisa que me iluda e me faça aproveitar a sobra de minhas sombras em minha arte, parte de mim, mina de ouro para um artista, um artífice das horas, que se tornam dias, que se tornam meses, que se tornam anos, que se tornam décadas, que me tornam nada mais, nada menos, que um homem solitário e triste... Ah, que tempo!

Busco uma música, um copo bem grande com água, um suco, uma fruta, um pouco de paz em meio à guerra sabe-se lá pelo quê, por quê, muito menos por quem. Quieto, o senso me lembra: Um coração, também. Algum vermelho vivo, algum amigo que me ligue e que se ligue no que eu penso. Algum apenso que dispense apresentações. Algum abismo em que eu me atreva a experimentar minhas asas que, com barbante, luz e cola, improvisei. Um coração.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

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