— Essa rainha da Inglaterra vai acabar entrando pelo cano.
— Por quê?
— Vir no Brasil uma hora dessas? Pau comendo solto por aí...
— Tem polícia pra proteger ela, que é que há?
— Polícia? A polícia mesmo é que está baixando o pau, armando bochincho...
— Psiu, fala baixo, crioulo. Tá querendo ir em cana? Meu chapa! Solta mais uma, bem gelada!
— Vi o retrato dela na capa duma revista: até que é uma coroa bem apanhada. Nós vamos tomar mais uma?
— Vamos. Te aguenta aí que quem paga sou eu. Hoje estou com o tutu.
— O rei também vem?
— Que rei?
— Marido da rainha.
— Tu é mesmo crioulo doido: o marido dela não é rei, é príncipe.
— Quem te disse isso?
— Vai por mim.
— Essa não! Marido de rainha só pode ser rei. Príncipe é filho.
— Pois o dela é príncipe. Deixa pra lá, tu não entende disso: é coisa de inglês.
— Um cara aí me disse que ela vai inaugurar a ponte Rio—Niterói.
— Só se for nadando: a ponte ainda nem começou!
— Diz também que ela quer ver o Pelé jogar.
— Cariocas e paulistas. Eu tou nessa boca.
— A gente devia ter uma também, até que seria bacana.
— Uma o quê?
— Uma rainha.
— Tu tá com essa rainha na cabeça, que é que há?
— Por que é que não pode ter?
— Porque aqui não é reinado, é presidência, só por isso. Essa já não tá tão gelada.
— Uma rainha era capaz de consertar essa joça. Pra te falar a verdade... Posso falar a verdade?
— Pode. Mas fala baixo, crioulo, que não tou pra entrar em fria. Olha o doutor aí na outra mesa ouvindo a gente. Acaba essa e vamos pedir outra mais gelada.
— E daí? Tou falando o que todo mundo sabe: que esse país tá uma joça. E tá mesmo.
— Pronto, começou a ignorância. Continua assim, que eu vou puxando.
— Só uma rainha pra dar jeito nessa gente, botar respeito. Enquadrar essa polícia, esses milicos.
— Com essa eu me mando. Garotão! Suspende a brama, traz a nota! Tu ainda vai se dar mal, crioulo.
— Pera aí! Não tou falando nada demais. Só tou falando que uma rainha mesmo de verdade ficava no trono até morrer, todo mundo respeitava ela, não tinha esse negócio de toda hora tirar o presidente e botar outro. Tou certo ou não tou?
— Tu tá é no fogo, olha aí: entornou a lourinha.
— No tempo do Getúlio não tinha dessas coisas: Getúlio era feito uma rainha.
— Não tinha? E o fim que ele teve? Para com essa conversa de comunista, crioulo, que tu ainda vai ver o sol nascer quadrado. A gente já não tivemos rainha? Princesa Isabel, Pedro II, essas coisas? E deu certo? Me diga se deu certo.
— Pede outra cerveja pra gente chulear a conversa.
— Então muda de assunto. Para de falar nessa rainha, que já tá enchendo.
— Então no que é que a gente vai falar?
— Sei lá. Melhor ficar calado do que ficar falando besteira.
— Mas tu concorda que nem conversa boa a gente pode ter mais.
— Ah, isso eu concordo. Olha aí, essa tá que é uma beleza de gelada.
Fonte:
Fernando Sabino. Deixa o Alfredo falar. Publicado em 1976.
— Por quê?
— Vir no Brasil uma hora dessas? Pau comendo solto por aí...
— Tem polícia pra proteger ela, que é que há?
— Polícia? A polícia mesmo é que está baixando o pau, armando bochincho...
— Psiu, fala baixo, crioulo. Tá querendo ir em cana? Meu chapa! Solta mais uma, bem gelada!
— Vi o retrato dela na capa duma revista: até que é uma coroa bem apanhada. Nós vamos tomar mais uma?
— Vamos. Te aguenta aí que quem paga sou eu. Hoje estou com o tutu.
— O rei também vem?
— Que rei?
— Marido da rainha.
— Tu é mesmo crioulo doido: o marido dela não é rei, é príncipe.
— Quem te disse isso?
— Vai por mim.
— Essa não! Marido de rainha só pode ser rei. Príncipe é filho.
— Pois o dela é príncipe. Deixa pra lá, tu não entende disso: é coisa de inglês.
— Um cara aí me disse que ela vai inaugurar a ponte Rio—Niterói.
— Só se for nadando: a ponte ainda nem começou!
— Diz também que ela quer ver o Pelé jogar.
— Cariocas e paulistas. Eu tou nessa boca.
— A gente devia ter uma também, até que seria bacana.
— Uma o quê?
— Uma rainha.
— Tu tá com essa rainha na cabeça, que é que há?
— Por que é que não pode ter?
— Porque aqui não é reinado, é presidência, só por isso. Essa já não tá tão gelada.
— Uma rainha era capaz de consertar essa joça. Pra te falar a verdade... Posso falar a verdade?
— Pode. Mas fala baixo, crioulo, que não tou pra entrar em fria. Olha o doutor aí na outra mesa ouvindo a gente. Acaba essa e vamos pedir outra mais gelada.
— E daí? Tou falando o que todo mundo sabe: que esse país tá uma joça. E tá mesmo.
— Pronto, começou a ignorância. Continua assim, que eu vou puxando.
— Só uma rainha pra dar jeito nessa gente, botar respeito. Enquadrar essa polícia, esses milicos.
— Com essa eu me mando. Garotão! Suspende a brama, traz a nota! Tu ainda vai se dar mal, crioulo.
— Pera aí! Não tou falando nada demais. Só tou falando que uma rainha mesmo de verdade ficava no trono até morrer, todo mundo respeitava ela, não tinha esse negócio de toda hora tirar o presidente e botar outro. Tou certo ou não tou?
— Tu tá é no fogo, olha aí: entornou a lourinha.
— No tempo do Getúlio não tinha dessas coisas: Getúlio era feito uma rainha.
— Não tinha? E o fim que ele teve? Para com essa conversa de comunista, crioulo, que tu ainda vai ver o sol nascer quadrado. A gente já não tivemos rainha? Princesa Isabel, Pedro II, essas coisas? E deu certo? Me diga se deu certo.
— Pede outra cerveja pra gente chulear a conversa.
— Então muda de assunto. Para de falar nessa rainha, que já tá enchendo.
— Então no que é que a gente vai falar?
— Sei lá. Melhor ficar calado do que ficar falando besteira.
— Mas tu concorda que nem conversa boa a gente pode ter mais.
— Ah, isso eu concordo. Olha aí, essa tá que é uma beleza de gelada.
Fonte:
Fernando Sabino. Deixa o Alfredo falar. Publicado em 1976.
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