sábado, 5 de setembro de 2020

Júlia da Costa (Poemas Escolhidos) II

 

ILUSÕES

Em vão te chamo nos murmúrios vagos
Da doce brisa que fugindo vai;
A voz se perde na procela horrível
Que sobre os mares à noitinha cai.

Em vão te chamo! só responde o eco...
Em vão almejo contemplar a ti;
Medonha nuvem de mistérios cheia
Te induz, ai! Sempre a te ausentar de mi’!

Aéreo sonho, mentirosa sombra
D’um sol no ocaso que a gemer tombou,
Em vão te busco nas mescladas nuvens
D’um céu querido que o luar banhou!

Nos rudes tempos d’ um passado estranho
À luz d’ um círio pela dor erguido,
Lampejam inda as ilusões ditosas
D’ um tempo estranho que lá vai sumido!

Assim, ó sombra, na minh’alma vives
Sem cor, nem luz, a divagar perdida...
Em vão te chamo! minha voz se perde
Por este espaço que chamamos vida!

Em vão te chamo! já me falta o alento!
Em vão procuro assemelhar teu canto!
És como a ave que a trinar na rama
Fugindo inspira ressentido pranto.

– És como a ave que na sombra solta
Os seus prelúdios de saudade infinda,
E que fugindo quando a luz se mostra
Os seus cantares sonorosos finda.
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MELANCOLIA

I

Nunca ouviste, alta noite, um som dorido
Como um eco infiel de teu pensar,
Ir saudoso chorar sobre teu seio,
E murmurar-te cantos de pesar?

Nunca ouviste, no albor, o doce arrulho
Da rolinha que chora amargurada,
Qual lira dedilhada
Em florido sertão? Ou harpa eólia
Pelo tufão tocada?

Nos arroubos celestes de tu’alma
Nunca ouviste um acorde esvaecido,
Pelas verdes palmeiras ciciando
Perpassar merencório entristecido?

Pois como o som dorido, e o vago arrulho
Da pombinha que chora o seu destino,
Desvairada, sem tino; –
É meu triste pensar sonhando o berço
Em que dormiu menino!

II

E o céu lindo! e a primavera vejo
Sorrir-me tão viçosa e amenizada!
Qual nuvem qu’é levada
No arrebol da manhã fulgente e belo,
De risos enfeitada!

E a natura trajando as brancas vestes
Do modesto noivado; – em mês d’ abril
Como a flor o sorrir-se entre perfumes: –
Os seus braços me estende, tão gentil!

E o mundo remanseia brandamente,
Qual ondinha ligeira vaporosa
Em seu berço de rosa!
Áureo, belo, gentil! seduz, fascina!
Imagem caprichosa!

Mas eu tristonha sou, bem como a estrela
Que sozinha cintila n’alvorada!
A saudade tornou minh’alma um lírio
Que descora de dor na madrugada!
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UMA FOLHA AO VENTO

A noite é negra – o areal é triste,
A praia imensa, taciturna e só!
Eu vou descalça caminhando à toa,
Me cega o vento, me sufoca o pó!

Queres seguir-me, caminheiro errante?
Eu vou em busca do meu pátrio lar!
Mas tenho medo deste mar de gelo,
Da voz do vento que me faz chorar.

Deixei meu ninho sobre a fralda escura
De uma montanha que se ergue ao sul!
E vou p’ra o norte procurar meu berço,
Ver as estrelas do meu céu azul.

Queres seguir-me? luminosa aurora
Talvez ressurja nesta noite densa!
Talvez perpassem repentinas auras
Pelas areias desta praia imensa.

Talvez à sombra do arvoredo amigo
Por entre redes de cheiroso orvalho,
Possa minh’alma descansar na pátria
Como a avezinha em florido galho.

Deixei meu ninho sobre a fralda escura
De uma montanha que se ergue ao sul!
E vou p’ra o norte procurar meu berço,
Ver as estrelas do meu céu azul.

Avante! as águas remanseiam tristes,
Aragem mansa me bafeja a fronte...
Alva igrejinha entrevejo ao longe
Por entre flores de encantado monte!

E a brisa geme, – dizendo,
E os sonhos tristes remurmuram lá!
Nota dorida de uma lira amiga
A meus ouvidos silencia já!

A pátria! a pátria! Sonhadora errante
Já vejo luzes no horizonte azul!
Já na minh’ alma desabrocham flores...
Adeus meu ninho... virações do sul!

Foi tudo sonho! A chorar acordo,
Olho e só vejo pelo céu a lua!
Nem as praias brancas, nem aragens meigas,
Só triste a brisa pelo mar flutua!

Fonte:
Júlia Maria da Costa. Flores Dispersas. Santa Catarina, 1867, in Júlia da Costa. Poesia. (org. Zahide Lupinacci Muzart). Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2001.

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