domingo, 22 de novembro de 2020

Carina Bratt (Fluxo Intenso)


Minhas queridas amigas e leitoras, olhem só que coisa mais sem fundamento.  Eu me atreveria a bater na tecla do sem pé nem cabeça. Raciocinem comigo. Se a gente parar um pouquinho para pensar, ou fazer uma introspecção, olhando de frente para dentro de nosso âmago, se tirarmos alguns minutos do nosso tempo precioso para fazermos uma análise de como nos comportamos na nossa intimidade, no nosso dia a dia, chegaremos a conclusão de que não somos nada.

Isso mesmo, amigas. N-A-D-A. Com isso, percebemos que as pessoas, ao nosso redor, notadamente aquelas que acham ter dentro de si o poder, e dele sair por ai desfrutando como gostariam, concluiremos que essas criaturas são cadáveres em busca de sepulturas inexistentes, são almas vazias e ocas de tudo. Com o tempo, a gente aprende que ninguém possui coisa alguma. As nossas ações, por mais bem engendradas, ou por mais bem construídas e sedimentadas que nos pareçam, não pertencem a nós.

Apenas fazemos uso, por um tempo, por algumas horas, ou dias. Às vezes até meses. Depois elas se esvaem e ficamos como pequenas embarcações, a esmo, vendo literalmente diante de nosso nariz, navios enormes num mar tenebroso, do qual não encontramos uma rota de retorno à terra firme. Assim como aprendemos que não possuímos nada, que tudo é passageiro e temporário, e que, via de regra, apenas fazemos uso, por um tempo, acreditem ficaríamos  envergonhadas de nossas melhores ações.

Mesmíssima coisa, o mundo que está sobre a nossa cabeça. Se ele soubesse os verdadeiros motivos que orbitam dentro delas... Certamente desabaria. Nossos motivos, geralmente são escusos, desonestos e devassos. Por força de uma imbecilidade tacanha e retrógrada, que fazemos questão de manter viva e pulsante, tentamos tapar o sol com a peneira. Como a peneira possui uma infinidade de pequenos furos, nossas afoitezas acabam descambando para o lado errado.

Aliás, o inferno, segundo Samuel Johnson, “está repleto delas”, não só as boas, as más intenções também. A meu entender, caras amigas e leitoras, nosso primeiro dever (aliás, o dever de todos os seres humanos) deveria o de TENTARMOS SER NÓS MESMAS, e não a sombra daquela ou daquele que está próximo a nós. Reparem. Nós, mulheres, não somos nós mesmas. Almejamos mais, sempre mais e mais, e às vezes, nessa busca maluca e inconstante, acabamos presas, pés e mãos, num beco sem saída.

Nos pegamos encurraladas num caminho sem volta. Sabem como eu chamaria essa “coisinha banal?”. De percepção. Nos falta a percepção. Aliás, para os homens, essa palavrinha simpática, não existe. Pelo menos como deveria. Monteiro Lobato, por exemplo, era um homem de percepção. Por sinal, bastante afiada. Ele tinha e trazia consigo, A Chave do Tamanho. O que isso quer dizer? Trocado em miúdos, ele sabia a porta a ser aberta, a janela a ser escancarada, o botão que acenderia a luz pondo fim a escuridão.

De contrapeso, conhecia o trilho a seguir, o momento exato de voltar, se preciso fosse, ao ponto de partida. Muitas vezes a gente sai por aí às avessas, sem lenço sem documentos, dando uma de Caetano Veloso. Esquecemos a nossa identidade, o documento com uma fotinha 3X4, que nos informe, que nos indique, que nos mostre quem somos e o melhor, que nos restitua integralmente à senda da volta, o ponto crucial de onde partimos. Muitas vezes ficamos à deriva, presas a um medo injustificado.

A vida, caras amigas e leitoras, nos ensina a cada dia, a cada milésimo de segundo, uma lição diferente. Todavia, movidas pela pressa, pelo burburinho do cotidiano, não damos valor, não dispensamos atenção devida. Deixamos, a grosso modo, “passar batido”. A vida, gostaria que todas vocês entendessem que ela nos tenta colocar na cabeça, que só quem está com a corda no pescoço se lembra que o ar existe. A partir daí, a nossa luta, a nossa peleja se transforma numa guerra particular, onde tentamos restabelecer o fôlego precioso.

Sem ele, sem o ar que nos mantém vivas, sucumbimos. Outro pontinho quase imperceptível que nos atormenta a todo momento: a loucura. Chico Buarque já experimentou várias fases da neurastenia. Se as minhas leitoras se dispuserem a tirar um tempinho para ler seus livros, entenderiam que “toda loucura é genial, porém, nem toda lucidez é velha”. A nossa inquietação e a “piração” das outras criaturas, sempre será diferente, ou melhor, a nossa insanidade nada mais é que uma linha imaginária entre a genialidade e a insensatez, entre a falta de senso e o desequilíbrio.

Em resumo, como vivemos num mundo sem equilíbrio, sem autocontrole, sem solidez, sem simetria ou  consolidação,  ou seja, ora estamos de cabeça para baixo, ora de cabeça para cima; de outra feita, nem uma coisa nem outra; carecemos nos arrojar, nos desembestarmos, mantendo uma demência meio termo. Isto será nosso ponto mestre, nosso alvo, nossa mira de equilíbrio, nosso apoio perfeitamente racional para um planeta insanamente neurótico e sem controle do amanhã. Se não tivermos a magia do amanhã...

Fonte:
Texto enviado pela autora.  

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