domingo, 8 de novembro de 2020

Carolina Ramos (Milagre de Natal)


(com base em fato real)

Dezembro de 2003. Faltavam poucos minutos para que a noite mais linda do calendário se completasse. Maria Cândida deixara pronta a ceia da patroa, para que fosse servida aos cuidados das mãos femininas, das quais a família era bastante rica. Tinha pouco mais de meia hora para chegar ao lar e preparar sua própria ceia natalina. Daí, o passo apressado. Puxava pela mão a caçula que se atrasava, fascinada pelas luzes que enfeitavam as fachadas.

O céu, ampla vitrine forrada de veludo negro, coruscava repleto de estrelas, como se, naquela noite especial, o firmamento caprichasse na exibição de suas joias.

No ar, ecos de músicas, risos, preces... De repente, bem próximo, vindo de um desvão escuro, um som diferente que lembrava um vagido abafado.

— O que será isso?! — estranhou a moça.

— Um gato... deve ser um gato — completou a menina.


— Não, filha... não parece miado de gato!

A repetição do som guiou os passos de Maria Cândida, levando-a até uma caixa de papelão depositada no chão, rente ao muro de uma casa.

Antes de erguer a caixa, a moça tinha certeza do que encontraria. Por isso, a hesitação provocada pela surpresa.

O choro continuava, cada vez mais fraco. Vencendo o pasmo, mãos nervosas arrancaram, com pressa, as fitas adesivas que selavam a tampa da caixa. O rostinho de um recém-nascido, cianosado, e demonstrando sofrimento, encheu de indignada piedade os olhos de Maria Cândida. O cordão umbilical ainda mantinha o bebê ligado à placenta, provando parto recente. Folhas de jornal manchadas de sangue forravam a caixa de papelão. Sobre o pano que enrolava o corpo trêmulo da criança, havia um bilhete, escrito em letra de forma num canto de jornal, que dizia:

— Mamãe te ama. (!)

Maria Cândida, indignada, olhou ao redor, como se esperasse ser observada por aquela mãe sem coração, que, praticamente, "sepultara" o filho recém-nascido, negando-lhe, sem um fiapo de consciência, a menor chance de sobrevivência! Ninguém na rua. Não tivessem ela e a filha passado por ali, em circunstâncias imprevistas e em hora mais imprevista ainda, o óbito da criança teria sido inevitável.

Uma onda de ternura invadiu o coração da moça que apertou a caixa contra o peito como que pretendendo passar para o bebê o calor da ternura que a aquecia. Mais rápido ainda, rumou para casa.

Tão logo chegada, o lar de Maria Cândida pareceu encher-se de luz e de sons com o "presente" que ela trazia nos braços, A ceia de Natal ficou esquecida por completo. Havia urgência em salvar uma vida!

E, para mais sublimar aquela noite, o milagre aconteceu! Lavado e cuidado, o pequenino, alvo absoluto das atenções e do carinho de todos, logo dormia em paz entre lençóis limpos, não, porém, sem antes receber um nome. Um nome também pequenino e perfeito! Um nome imposto pelo momento e espontaneamente aceito por todos — JESUS!

— E poderia ser outro?!

Fonte:
Carolina Ramos. Feliz Natal: contos natalinos. São Paulo/SP: EditorAção, 2015.
Livro enviado pela autora.

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