Tinha bigodes e uma cadeira no bar. Sentava-se de banda para a mesa, um pouco inclinado, como a coluna de rodelas de chope. Por sobre o cinto, que mal se via, a barriga se anunciava feito mercadoria ‒ deliciosa e a preço excepcional ‒ por cima de um balcão.
Era um homem de bar que fora um menino de praia. Mas mesmo na concentração aflita dos que se acostumam à cerveja, guardara um certo jeito de quem foi muito ao mar ‒ parecia, sentado, alguém que quer sair. Se dele retirassem a camada de pele encontrariam logo depois uma outra feita de sal tostado, areia e plasma, sempre ao sol. Ia ao bar como um nadador que procura, de cada vez, aguentar um pouco mais a submersão. Onde quer que ele entrasse havia um clima de fundo de mar: pressões, uma lentidão espessa, um aposento de se cruzar e não se atravessar, com cautela, pois poderia surgir debaixo da mesa um mero e, em cima da cadeira, um polvo estivesse a descansar.
Bigodes, barriga, bar e uma casa também. Nela entrava sempre molhado da rua, as artérias batendo, com sede e querendo se deitar ‒ exatamente como se estivesse saindo do mar.
Mas não havia mais mar, havia bigodes, barriga e bar. Onde fora parar aquele mar todo? Aqueles momentos de pura paixão física? Onde os ruídos que os chinelos faziam arranhando a areia? Onde a camisa com que enxugar o rosto e guardar debaixo da barraca ao lado dos óculos respingados e do maço de cigarros com a chave e a nota de mil debaixo do celofane? Onde aquela tragada molhada? Pés ao sol, cabeça à sombra. As ondas boas, o mergulho bom, bom esse óleo, boa a toalha.
***
Bêbado, muito bêbado, ele dava telefonemas errados em horas impróprias. Ligava de madrugada para mulheres, agora casadas, que atendiam de mau humor e desligavam logo. Ele dizia palavrões baixinhos e passava o copo na testa. Como todo homem de mar, falava mal das piscinas ‒ indecências sem peixes.
Daí ouviu a voz: “Vai ao mar que o mar ensina”. E foi.
“Mar, depois de tanto tempo eis-me aqui de novo. Eu, o turrão, o zangado. Você, suas coisas todas. Mar, me dá. Mais uma vez só. Por favor”.
E, primeiro com os pés, experimentou o mar frio. Molhou os pulsos, com a água fez o sinal da cruz, deixou-se, desajeitado, ir caindo. Entrava no velho quarto sem tatear, conhecia aquela escuridão.
Era um homem de bar que fora um menino de praia. Mas mesmo na concentração aflita dos que se acostumam à cerveja, guardara um certo jeito de quem foi muito ao mar ‒ parecia, sentado, alguém que quer sair. Se dele retirassem a camada de pele encontrariam logo depois uma outra feita de sal tostado, areia e plasma, sempre ao sol. Ia ao bar como um nadador que procura, de cada vez, aguentar um pouco mais a submersão. Onde quer que ele entrasse havia um clima de fundo de mar: pressões, uma lentidão espessa, um aposento de se cruzar e não se atravessar, com cautela, pois poderia surgir debaixo da mesa um mero e, em cima da cadeira, um polvo estivesse a descansar.
Bigodes, barriga, bar e uma casa também. Nela entrava sempre molhado da rua, as artérias batendo, com sede e querendo se deitar ‒ exatamente como se estivesse saindo do mar.
Mas não havia mais mar, havia bigodes, barriga e bar. Onde fora parar aquele mar todo? Aqueles momentos de pura paixão física? Onde os ruídos que os chinelos faziam arranhando a areia? Onde a camisa com que enxugar o rosto e guardar debaixo da barraca ao lado dos óculos respingados e do maço de cigarros com a chave e a nota de mil debaixo do celofane? Onde aquela tragada molhada? Pés ao sol, cabeça à sombra. As ondas boas, o mergulho bom, bom esse óleo, boa a toalha.
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Bêbado, muito bêbado, ele dava telefonemas errados em horas impróprias. Ligava de madrugada para mulheres, agora casadas, que atendiam de mau humor e desligavam logo. Ele dizia palavrões baixinhos e passava o copo na testa. Como todo homem de mar, falava mal das piscinas ‒ indecências sem peixes.
Daí ouviu a voz: “Vai ao mar que o mar ensina”. E foi.
“Mar, depois de tanto tempo eis-me aqui de novo. Eu, o turrão, o zangado. Você, suas coisas todas. Mar, me dá. Mais uma vez só. Por favor”.
E, primeiro com os pés, experimentou o mar frio. Molhou os pulsos, com a água fez o sinal da cruz, deixou-se, desajeitado, ir caindo. Entrava no velho quarto sem tatear, conhecia aquela escuridão.
Fonte:
Diário Carioca. RJ, 22 de dezembro de 1965.
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