Leonor de Almeida Portugal
(Marquesa de Alorna)
(Lisboa, 1750 – 1839)
SONETO
Este ser que me deu a natureza,
Vai desorganizando a enfermidade;
Sinto apagar da vida a claridade
Doma as corpóreas forças a fraqueza
Vai crescendo em minha alma a fortaleza
Quanto cresce do mal a intensidade;
As portas áureas me abre a Eternidade,
E lá cessam cuidados e tristezas.
Vou amar quem somente é amável
Em oxigênias luzes abrasar-me
Nunca errar, nem temer gente implacável
Vou nos jardins celestes recrear-me
E no seio de um Deus justo, adorável,
A tudo o que me falta associar-me.
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Manuel Maria Barbosa Du Bocage
(Setúbal, 1765 - 1805, Lisboa)
SONETO
Oh Rei dos reis, oh Árbitro do mundo,
Cuja mão sacrossanta os maus fulmina,
E a cuja voz terrífica, e divina
Lúcifer treme no seu caos profundo!
Lava-me as nódoas do pecado imundo,
Que as almas cega, as almas contamina:
O rosto para mim piedoso inclina,
Do eterno império Teu, do Céu rotundo:
Estende o braço, a lágrimas propício,
Solta-me os ferros, em que choro e gemo
Na extremidade já do precipício:
De mim próprio me livra, oh Deus supremo!
Porque o meu coração propenso ao vício
É, Senhor, o contrário que mais temo.
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Antero de Quental
(Ponta Delgada, 1842 – 1891)
NA MÃO DE DEUS
Na mão de Deus, na sua mão direita
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.
Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.
Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva no colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,
Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
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António Duarte Gomes Leal
(Lisboa, 1848 - 1921)
O ÚLTIMO GOLPE DE LANÇA
Quando Ele enfim morrendo, Ele, o cordeiro,
Rola mansa no ar calado e imundo,
Pendeu, bem como um lírio moribundo,
Sobre a haste do trágico madeiro;
Quando lançado o espírito profundo
Ao reino belo, grande, verdadeiro,
Caiu enfim chagado, justiceiro,
Ainda, ainda perdoando ao mundo:
Um soldado romano vendo-o exposto,
E já morto na cruz, lívido o rosto,
Com um golpe de lança o trespassou.
Saiu daquela chaga sangue e água:
Sangue que ainda quis dar a tanta mágoa,
Água de pranto ainda que chorou!
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Florbela Espanca
(Vila Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos)
ESCRAVA
Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu Senhor,
Eu te saúdo, olhar do meu olhar,
Fala da minha boca a palpitar,
Gesto das minhas mãos tontas de amor!
Que te seja propício o astro e a flor,
Que a teus pés se incline a Terra e o Mar,
P’los séculos dos séculos sem par,
Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu Senhor!
Eu, doce e humilde escrava, te saúdo,
E, de mãos postas, em sentida prece,
Canto teus olhos de ouro e de veludo.
Ah! esse verso imenso de ansiedade,
Esse verso de amor que te fizesse
Ser eterno por toda a Eternidade!...
Fonte:
Sammis Reachers (org.). Antologia de poesia cristã em língua portuguesa. e-book.
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