sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Livro D’Ouro da Poesia Portuguesa – 4


Leonor de Almeida Portugal
(Marquesa de Alorna)


(Lisboa, 1750 – 1839)

SONETO

Este ser que me deu a natureza,
Vai desorganizando a enfermidade;
Sinto apagar da vida a claridade
Doma as corpóreas forças a fraqueza

Vai crescendo em minha alma a fortaleza
Quanto cresce do mal a intensidade;
As portas áureas me abre a Eternidade,
E lá cessam cuidados e tristezas.

Vou amar quem somente é amável
Em oxigênias luzes abrasar-me
Nunca errar, nem temer gente implacável

Vou nos jardins celestes recrear-me
E no seio de um Deus justo, adorável,
A tudo o que me falta associar-me.
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Manuel Maria Barbosa Du Bocage

(Setúbal, 1765 - 1805, Lisboa)

SONETO

Oh Rei dos reis, oh Árbitro do mundo,
Cuja mão sacrossanta os maus fulmina,
E a cuja voz terrífica, e divina
Lúcifer treme no seu caos profundo!

Lava-me as nódoas do pecado imundo,
Que as almas cega, as almas contamina:
O rosto para mim piedoso inclina,
Do eterno império Teu, do Céu rotundo:

Estende o braço, a lágrimas propício,
Solta-me os ferros, em que choro e gemo
Na extremidade já do precipício:

De mim próprio me livra, oh Deus supremo!
Porque o meu coração propenso ao vício
É, Senhor, o contrário que mais temo.
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Antero de Quental

(Ponta Delgada, 1842 – 1891)

NA MÃO DE DEUS

Na mão de Deus, na sua mão direita
Descansou afinal meu coração.
Do palácio encantado da Ilusão
Desci a passo e passo a escada estreita.

Como as flores mortais, com que se enfeita
A ignorância infantil, despojo vão,
Depus do Ideal e da Paixão
A forma transitória e imperfeita.

Como criança, em lôbrega jornada,
Que a mãe leva no colo agasalhada
E atravessa, sorrindo vagamente,

Selvas, mares, areias do deserto...
Dorme o teu sono, coração liberto,
Dorme na mão de Deus eternamente!
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António Duarte Gomes Leal

(Lisboa, 1848 - 1921)

O ÚLTIMO GOLPE DE LANÇA

Quando Ele enfim morrendo, Ele, o cordeiro,
Rola mansa no ar calado e imundo,
Pendeu, bem como um lírio moribundo,
Sobre a haste do trágico madeiro;

Quando lançado o espírito profundo
Ao reino belo, grande, verdadeiro,
Caiu enfim chagado, justiceiro,
Ainda, ainda perdoando ao mundo:

Um soldado romano vendo-o exposto,
E já morto na cruz, lívido o rosto,
Com um golpe de lança o trespassou.

Saiu daquela chaga sangue e água:
Sangue que ainda quis dar a tanta mágoa,
Água de pranto ainda que chorou!
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Florbela Espanca

(Vila Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos)

ESCRAVA

Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu Senhor,
Eu te saúdo, olhar do meu olhar,
Fala da minha boca a palpitar,
Gesto das minhas mãos tontas de amor!

Que te seja propício o astro e a flor,
Que a teus pés se incline a Terra e o Mar,
P’los séculos dos séculos sem par,
Ó meu Deus, ó meu dono, ó meu Senhor!

Eu, doce e humilde escrava, te saúdo,
E, de mãos postas, em sentida prece,
Canto teus olhos de ouro e de veludo.

Ah! esse verso imenso de ansiedade,
Esse verso de amor que te fizesse
Ser eterno por toda a Eternidade!...

Fonte:
Sammis Reachers (org.). Antologia de poesia cristã em língua portuguesa. e-book.

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