AMOR FELINO
O gato chegou de esguelha, moroso, amorado.
Chegou, gateou, miou um miado de desejo.
Derramou um olhar de sultão, anunciando volúpia.
Palmeou o terreno, miou afinado,
saracoteou exibindo felinidade.
Agradou, submeteu-se.
A lua romântica prateou o gato, o miado se alongou,
se perdeu nas barreiras da noite.
E o gato se afastou molengamente
tomado por aquela frouxidão aconchegante
que se sucede depois do amor.
****************************************
AUSÊNCIA
Pássaro amigo, cessa teu canto
que por enquanto, não quero ouvir.
Não cantes mais, quero o silêncio
para sonhar, para dormir.
Teu canto é belo, mas eu não quero
ouvi-lo assim.
Deixa- me agora e sem demora
leva contigo, pássaro amigo,
toda a tristeza que há em mim.
E se voltares traga em teu canto
o doce encanto de uma presença.
Mesmo volátil, em gaze fluida,
mesmo num quase, mesmo em essência!
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DESVARIO
Hoje se apoderou de mim
um espírito de criança.
Menina arteira, eu virei bicho,
pastei grama, uivei, esgravatei o chão,
pulei corda e despetalei um malmequer
para tirar a sorte.
Escarranchei sobre minha janela
e aspirei o perfume das rosas
que há quarenta anos se esparramavam sobre ela.
Ali foi o meu canto de silêncio,
meus momentos de diálogos introspectivos.
Foi tudo perfeito, até que fosse desfeito o sonho
e acabasse a doideira.
Depois, só lonjura!
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DISFARCES
Reinvento-me para fugir de uma angústia flácida,
velha angústia que se fez platônica
e deixou n´alma uma ferida crônica
um não sei quê de uma dor semântica.
Reinvento auroras se a noite é sólida,
se a solidão acena e o silêncio é frêmito.
Invento trilhas pra minha alma em trânsito
se a chuva cai e me impede o tráfego.
Engulo seco e contenho as lágrimas,
reinvento passos se o andar é trôpego,
pinto as faces e disfarço o pálido,
engano o tempo que me bebe sôfrego.
Faço da vida o meu tema único,
sou a invenção de um poeta cômico.
Faço das letras um poema bêbado
que impulsiona o meu corpo em êxodo.
Sou a vítima, sou disfarce, sou inquérito,
sou a vida questionada nas linhas do pretérito.
****************************************
ESTIAGEM
Ando de um lado para outro dentro de mim
e não me alcanço.
Distancio das minhas carências
enquanto me preparo para o amor.
Sou semente à espera das tuas águas,
sou terra seca à espera do teu frescor.
Deixa que me venham os teus rios
e eu te farei pescador de mim .
****************************************
MOMENTO
Na bica de água fresca me debruço.
Bebo o tempo e a longa espera.
Me farto de renovo.
Foi então que colhi gotas d‘água
e com elas quis fazer uma represa,
eternizar o momento.
Mas elas não se represaram em meu corpo,
gasto pelo áspero clima de outras paisagens.
Foi aí que meu chão empedrou, ficou cinzento
e minha alma passou a sofrer de cascalho.
Só na poesia me despedro e me desbravo.
****************************************
RECURSOS POÉTICOS I
Não escrevo por mim,
a vida me propôs usar esse recurso.
Escrevo para eternizar a palavra
que é mais forte diante do eu que em mim habita.
Escrevo para me enganar
de que o viver não me amedronta.
O tempo passa, mas a palavra resiste.
Minha voz se cala, mas o som de cada palavra
eterniza meus hiatos e interrogações sem respostas.
A palavra se encarrega de preservar meus sentimentos,
a palavra me conduz, enquanto ser humano..
O resto é engano.
Ave, Palavra!
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SOLIDÃO
Sonho-te e te reconstruo.
Recrio a tua imagem, vulto intocável,
volátil presença que se evapora dentro da noite
para o desconsolo da minha ilusão.
Pudesse eu te tocar, pediria que ficasses
e bebesses do meu cálice o amargo vinho
que transborda da minha taça de solidão.
Fonte:
Versos (Di) Versos. Disponível no site de Rita Mourão.
O gato chegou de esguelha, moroso, amorado.
Chegou, gateou, miou um miado de desejo.
Derramou um olhar de sultão, anunciando volúpia.
Palmeou o terreno, miou afinado,
saracoteou exibindo felinidade.
Agradou, submeteu-se.
A lua romântica prateou o gato, o miado se alongou,
se perdeu nas barreiras da noite.
E o gato se afastou molengamente
tomado por aquela frouxidão aconchegante
que se sucede depois do amor.
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AUSÊNCIA
Pássaro amigo, cessa teu canto
que por enquanto, não quero ouvir.
Não cantes mais, quero o silêncio
para sonhar, para dormir.
Teu canto é belo, mas eu não quero
ouvi-lo assim.
Deixa- me agora e sem demora
leva contigo, pássaro amigo,
toda a tristeza que há em mim.
E se voltares traga em teu canto
o doce encanto de uma presença.
Mesmo volátil, em gaze fluida,
mesmo num quase, mesmo em essência!
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DESVARIO
Hoje se apoderou de mim
um espírito de criança.
Menina arteira, eu virei bicho,
pastei grama, uivei, esgravatei o chão,
pulei corda e despetalei um malmequer
para tirar a sorte.
Escarranchei sobre minha janela
e aspirei o perfume das rosas
que há quarenta anos se esparramavam sobre ela.
Ali foi o meu canto de silêncio,
meus momentos de diálogos introspectivos.
Foi tudo perfeito, até que fosse desfeito o sonho
e acabasse a doideira.
Depois, só lonjura!
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DISFARCES
Reinvento-me para fugir de uma angústia flácida,
velha angústia que se fez platônica
e deixou n´alma uma ferida crônica
um não sei quê de uma dor semântica.
Reinvento auroras se a noite é sólida,
se a solidão acena e o silêncio é frêmito.
Invento trilhas pra minha alma em trânsito
se a chuva cai e me impede o tráfego.
Engulo seco e contenho as lágrimas,
reinvento passos se o andar é trôpego,
pinto as faces e disfarço o pálido,
engano o tempo que me bebe sôfrego.
Faço da vida o meu tema único,
sou a invenção de um poeta cômico.
Faço das letras um poema bêbado
que impulsiona o meu corpo em êxodo.
Sou a vítima, sou disfarce, sou inquérito,
sou a vida questionada nas linhas do pretérito.
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ESTIAGEM
Ando de um lado para outro dentro de mim
e não me alcanço.
Distancio das minhas carências
enquanto me preparo para o amor.
Sou semente à espera das tuas águas,
sou terra seca à espera do teu frescor.
Deixa que me venham os teus rios
e eu te farei pescador de mim .
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MOMENTO
Na bica de água fresca me debruço.
Bebo o tempo e a longa espera.
Me farto de renovo.
Foi então que colhi gotas d‘água
e com elas quis fazer uma represa,
eternizar o momento.
Mas elas não se represaram em meu corpo,
gasto pelo áspero clima de outras paisagens.
Foi aí que meu chão empedrou, ficou cinzento
e minha alma passou a sofrer de cascalho.
Só na poesia me despedro e me desbravo.
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RECURSOS POÉTICOS I
Não escrevo por mim,
a vida me propôs usar esse recurso.
Escrevo para eternizar a palavra
que é mais forte diante do eu que em mim habita.
Escrevo para me enganar
de que o viver não me amedronta.
O tempo passa, mas a palavra resiste.
Minha voz se cala, mas o som de cada palavra
eterniza meus hiatos e interrogações sem respostas.
A palavra se encarrega de preservar meus sentimentos,
a palavra me conduz, enquanto ser humano..
O resto é engano.
Ave, Palavra!
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SOLIDÃO
Sonho-te e te reconstruo.
Recrio a tua imagem, vulto intocável,
volátil presença que se evapora dentro da noite
para o desconsolo da minha ilusão.
Pudesse eu te tocar, pediria que ficasses
e bebesses do meu cálice o amargo vinho
que transborda da minha taça de solidão.
Fonte:
Versos (Di) Versos. Disponível no site de Rita Mourão.
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