quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Célia Cerqueira Cavalcanti (Poemas Avulsos)

AO MEU PAI


Após tanto sofrer, deixaste a vida,
és decerto feliz na eternidade.
Que não me vejas, pai, de alma sentida,
sob o peso da cruz desta saudade.

Lembro tanto de ti, de fronte erguida,
relevando, de quantos, a maldade;
e tua voz há de ser por mim ouvida,
aconselhando sempre a caridade.

Possa um dia rever-te noutro mundo,
sob um céu diferente e iluminado,
onde o bem é maior e mais fecundo...

E que sintas, então, que foste amado,
na extensão filial do amor profundo
de um coração agora amargurado.
****************************************

DEUS

Eu Vos amo, Senhor, que Sois a vida,
o renascer da luz de cada dia.
Eu Vos amo. Senhor, e a Maria,
a Virgem pura e Mãe estremecida.

E crendo em Vós, Senhor, contemplo a vida,
o renascer da luz de cada dia...
Em Vós confio, Pai, na nostalgia
da saudade ou na dor mais desvalida.

Porque tudo o que existe sobre a terra,
nos altos céus, ou pelo mar profundo,
o mistério que a morte nos descerra,

o próprio olhar aflito de quem erra,
tudo é Vosso, Senhor, autor do mundo,
e Vós, o eterno amor que a vida encerra.
****************************************

DIVINDADE PAGÃ

A lenda conta que existiu um deus,
pequenino, travesso e delicado,
dentre os deuses talvez o mais lembrado,
quer dos mais crentes, quer dos mais ateus.

Dominou os egípcios e os hebreus;
Grécia e Roma o tiveram consagrado,
e Cupido, esse deus mimoso e alado,
conquista os corações com os dardos seus.

De cada vez a luta é mais renhida,
mais intensa e falaz se torna então.
Hoje, amanhã, depois, por toda a vida,

há de o amor, sem piedade ou compaixão,
abrir, em cada peito, uma ferida,
sangrar, em cada peito, um coração,
****************************************

TEUS OLHOS

Teus olhos, mãe, vi risonhos,
cheios de luz, a brilhar...
Vi-os tristes, apagados,
como as noites sem luar.

Cheios de luz e de encanto,
eram tão belos teus olhos,
dois faróis que iluminavam
minha vida entre os abrolhos,

Teus olhos. . . Suponho vê-los,
quando a noite estende o véu,
transformados nas estrelas
mais brilhantes lá do céu.

Nunca mais esquecerei
os queridos olhos teus,
refletindo-se em minha alma,
são a luz dos olhos meus.
****************************************

UM DIA…

Um dia, serei livre e leve qual o vento,
seguindo pelo espaço azul meu pensamento.
 
E o corpo deixarei, num sono sempre igual,
indiferente à luz das tochas de cristal.

Sem forma definida... sol de primavera,
ou clarão de luar. Talvez uma quimera…
 
Decerto um sonho bom, feliz, há de levar
minha alma pelo espaço, em rápido passar,
 
em busca da verdade, pura, indecifrável,
do mistério do além da morte, do insondável.

Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Anuário de Poetas do Brasil – Volume 4. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1979.

Nenhum comentário: