quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Roberto Correia (Epigramas)


Adula! - Mas tem cuidado,
porque, às vezes, Sabujão,
repugna ao próprio adulado
a excessiva adulação.
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Às vezes a voz da fama
tem um quê de voz divina:
Dá forças de intensa chama
à luz de uma lamparina...
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Burro, a cegueira da sorte
elevou-te e, ao sol, espelhas,
mas guardas o mesmo porte
e as mesmíssimas orelhas.
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Carroceiro, desalmado,
- Diz o burro - vê que tu és
meu irmão! Mas, aleijado,
que nasceste com dois pés!
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De muitos "doutores" sei
Que fundamente acatamos,
Aos quais, se dizem: - "cheguei",
Retruca a Morte: - "chegamos".
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É "doutor", mas a vaidade
empina-o tanto, que até
quisera eu ser a metade
do que ele pensa que é...
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Muita gente sem cachola
de jornalista se doura,
tendo um frasquinho de cola,
um arquivo e uma tesoura...
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Nesse vestido apertado,
teu corpo, essa perfeição
faz do que não tem pecado
pecador de profissão...
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No Brasil, é pragmática,
Das discussões na fervura,
Entrar - no meio - a gramática,
No fim a descompostura.
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Os artistas consagrados
Não escapam nunca às afrontas
dos cascos mal aparados
dos mestres das obras prontas...
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Político e sempre graúdo,
de moço a quase senil,
do Brasil tem tido tudo!
Nada tem dado ao Brasil...
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Por serem longas e rudas
as vias que levam à Cruz,
todo dia nascem Judas
mas não vem outro Jesus.
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Só usam mangas compridas,
seguindo as normas da igreja,
mas as pernas mal vestidas,
quem tiver olhos que as veja...
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Se espichas (vou ser-te franco)
os teus cabelos, ó João,
se pretendes é ser branco,
ao menos em comissão...
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Roberto Correia (1876 – 1937)
Este epigramista baiano nasceu na cidade do Salvador, a 10 de maio de 1876. Estudou no Liceu de Artes e Ofícios, onde aprendeu o ofício de tipógrafo. Trabalhou, nessa condição, no Jornal de Notícias, dirigido pelo popularíssimo Lulu Parola. Foi para o Rio, onde exerceu a mesma profissão no Jornal do Brasil e no Jornal do Comércio. De regresso à sua terra natal, matriculou-se, em 1895, no Instituto Normal, da Bahia, e se diplomou em 1898, passando a servir no magistério, até aposentar-se, em 1937. Morreu no dia 24 de dezembro do mesmo ano. Sua obra não foi apenas poética. Escreveu igualmente contos, humorísticos e sentimentais, para os quais a crítica teve palavras de louvor. Mas publicou apenas um livro, Epigramas, editado em 1928.


Fonte:
R. Magalhães Júnior. Antologia de Humorismo e Sátira. RJ: Civilização Brasileira, 1957.

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