sábado, 7 de novembro de 2020

Eduardo Affonso (Talvez, com certeza)


Resolver as coisas com ela é sempre um desafio.

– Você prefere comer em casa ou pedir pizza?

– Prefiro.

– Qual das duas coisas?

– Pode ser.

Viaja, já devia ter chegado. Ligo para saber se houve algum problema.

– Onde você está?

– Voltando.

– Mas está onde, em que altura?

– Na estrada.

Ninguém consegue ser tão vaga com tanta precisão.

– Estou te esperando. Demora?

– Ok.

– Está onde, para eu saber se já posso descer ou não?

– Américas.

(Ela está numa ponta da Américas; eu, na outra. Não há como ela estar em outro lugar que não seja da Américas. )

– Mas antes ou depois do Barrashopping?

– Pista da lateral. A do meio está parada.

A culpa é minha, que tenho a mania de fazer perguntas abertas.

– Oi, estou indo pra casa. Precisa de alguma coisa do mercado?

– Precisa de um monte de coisas.

– O quê, por exemplo.

– Tem muita coisa faltando.

– E o que é que falta?

– Tenho que ver.

– Pode ver e me dizer?

– Compra só o que acabou. O resto ainda tem.

Ligo do mercado.

– Açúcar mascavo ou refinado?

– Um quilo.

Da farmácia.

– Como é que chamava mesmo aquele remédio para sinusite?

– Gotas.

Se eu fizer duas perguntas, ela responderá uma delas e ignorará a outra. E nunca saberei qual foi a respondida.

Se eu fizer uma pergunta só, esta é a que será ignorada.

Ou respondida com outra pergunta.

– Por que você é assim?

– Assim como?

– Não responde o que eu pergunto.

– Não respondo?

– Não. Você nunca responde o que eu pergunto.

– É?

– É. Ou responde com uma pergunta.

– Eu faço isso?

Claro que gosto dela. Menos quando quero saber alguma coisa.

– Você me ama?

– Claro.

– Que sim ou que não?

– Aham.

Deduzo que “aham” seja “sim”. Que prefira a pizza. Que já esteja no pedágio, ou na entrada do condomínio. Que só esteja faltando açúcar. O mascavo. E que eu talvez deva perguntar menos.

Fonte:
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