segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Carina Bratt (Encantos de Sonhos não Enterrados)


Para todas as meninas que ainda vivem os arroubos do primeiro amor.


Três meses, hoje, que eu e ele nos separamos. Resolvemos comemorar a data indo a um shopping fazer um lanche na praça de alimentação e, para fechar a noite, com chave de ouro, assistir a um filme em cartaz numa das salas de exibição lá existentes. Ele queria ‘Sr. e Sra Smith’, com Brad Pitt e Angelina Jolie. O filme havia saído de cartaz trocentos anos atrás e, por algum motivo inexplicável, as salas de projeção estavam fazendo uma espécie de pescaria adoidada de um desses ‘baús de longas’. Sem opção ficamos com ‘Guerra dos Mundos’, com Tom Cruise e Dakota Fanning. Melhor que ‘Batman Begins’ e ‘Madagascar’.

Ele, o meu eterno amor, continua o mesmo, como o fiel da balança, a não ser pelo porte. Mais belo e ardente, elegante e solto. Perdeu uns quilinhos. Achei-o de rosto miúdo, olhos fundos — semblante um pouco triste e abatido, como se carregasse, nos ombros, sozinho, o peso pela culpa de nosso rompimento. De resto, continua autoritário, cheio de mágoas — guarda ainda rancores antigos, como se fossem a razão maior do seu existir. Fora isto, me vi invadida por uma solidão estranha, uma vontade de me aninhar em seus braços e chorar as incertezas que ainda fazem de meus dias um rosário interminável de suplícios eternos.

Este rapaz de trinta e oito anos se contrapondo aos meus 16 incompletos e consequentemente aos quase vinte e três de diferença de idade existentes entre nós, deixou uma lacuna muito grande quando me disse adeus. Criou um abismo intransponível e conseguiu botar meu coração em frangalhos. Afinal de contas foram quatro anos de convivência. Quatro anos não são quatro dias, e a história do nosso dia a dia não poderia morrer, ou não deveria ir por água abaixo, sem mais nem menos. Contudo, apesar dos pesares, foi. Aconteceu. Nossos mundos se desmoronaram e, agora, cada um tenta renascer dos escombros como pode, com as armas que cada um de nós dispõe ao alcance das mãos.

Talvez seja por esta razão que sinta a falta dele em tudo o que faço. O vazio que se formou ao meu redor clama pelo seu regresso imediato e eu me cobro por ter deixado que partisse sem brigas, sem mágoas, para que ficasse tudo em paz, sem dissabores, sem lutas desnecessárias, temendo (pelo menos da minha parte, na época) que não se fechassem as portas de um futuro, quem sabe, talvez?! atrelado ao ‘nunca mais’ atrás de si, e me virasse às costas, porventura, de modo definitivo.

Ele era, ou melhor, foi a minha ponte suspensa e sem idade para o futuro que me esperava do outro lado. Uma ponte comprida, tecida de pequenos fragmentos sobre caudaloso mar de águas escuras — onde o peso da idade para ele se insurgia para mim como um relógio do tempo disfarçando as horas que me restavam — com miçangas e tufos de algodão para enganar meu agora. E só fazem três meses. Noventa dias sem o seu calor quase materno, o beijo adocicado, o carinho de nossos corpos se procurando na cama, onde bastava um pouquinho de pequenos afagos para que o imensamente adormecido brotasse, no galope desenfreado dos prazeres acelerados.

E quando estávamos prestes a nos despedir, já fora do cinema, ele me pagou um Cappuccino com creme de leite. Odiei a bebida. Em compensação, o tempo que levei para sorver o conteúdo da xícara me permitiu ficar mais um bocadinho ao seu lado. Sentamos em uma mesa ao acaso, trocamos suspiros confidentes — ele chorou um pranto sentido (eu colocaria como um pranto de pronta entrega), e eu, por meu turno, disfarcei como pude, uma lágrima fujona e solitária, que não ensaiou bailar e, de repente, se viu fora de foco, como uma atriz iniciante nas coxias, medrosa de aparecer em cena para protagonizar o seu primeiro papel diante de uma multidão desconhecida.

Se eu pudesse ter um desejo realizado agora, seria o de vê-lo de volta, de mãos dadas comigo, nossos dedinhos entrelaçados em posição de perdão, enquanto violinos desenhando falas da ‘Fantasia e Fuga em Sol Menor’, de Bach, nos faria sentir a bela culminância de estarmos a sós, e de volta, exatamente ao ponto onde colocamos um final derradeiro em nossos destinos. Não queria que houvesse meios termos, nem que a nossa novela virasse capítulo de um folhetim esquecido.

Almejava, ainda, um mergulho sensível na piscina do adormecido, onde pudesse me sentar quando saísse da água, num balanço indo e vindo, incerto no azul, e sentisse ribombar as auras agridoces dos sons e, igualmente, gotejasse a velha paixão doentia pelos poros da epiderme, até que a coisa, como num passe de mágica, virasse unha e carne. Quem dera, ou quem sabe, no êxtase da arte, explodissem estrelas, reescrevendo a nossa história, como um prato cheio de letrinhas de sopa se derramando no regozijo da minha louca imaginação.

Papo sério. Acabou de verdade. Três meses se passaram. No fundo, estou me sentindo como uma daquelas alienígenas do ‘Guerra dos Mundos’ que substituímos em última hora, para não perdermos o bom humor e voltarmos, cada um para seu canto, de tromba virada, como um presente recebido sem papel de embrulho. O filme de Spielberg — olhando agora pelo lado bom — me fez ver o outro lado da moeda, ou seja, aquele canto sombrio que eu não queria encontrar jamais. No geral, me senti realmente como os invasores que lutaram tanto para conquistarem a terra e, afinal das contas, encontraram a morte.

Comigo foi exatamente igual, sem tirar nem por. Lutei tanto para conquistar o coração desta criatura e acabei derrotada por uma tal de Patrícia não sei das quantas. Cá entre nós: se pelo menos essa Pati (que não imagino como lhe seja o rosto) for melhor que eu, melhor em tudo, ou tão linda quanto a Dakota Fanning... Talvez eu voltasse a me sentir ou a me ver renovada, remoçada, mais segura de mim mesma, pronta para seguir em frente, de cabeça erguida, jogando o passado na lata de lixo — eu me sentiria viva, solta e bela — como a Anne Hathaway...

Fonte:
texto enviado pela autora.

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