A Mesopotâmia estava já povoada de animais de toda a ordem, quando Jeová resolveu, uma tarde, aperfeiçoar a sua obra dos sete dias.
- Tudo isso - pensava o Criador - está muito bem. Urge, entretanto, favorecer estes viventes, facultando-lhes um ornamento natural com que se embeveçam, e que seja, no mundo, o objeto dos seus cuidados.
E, chamando com a sua voz poderosa o anjo Gabriel, mandou que ele preparasse, nas margens do Eufrates, alguns quilômetros de cauda, de diversas grossuras e de diversos feitios, para ser distribuída, na manhã seguinte, pelos seres recém-criados - à semelhança do que fazem, hoje, com os cordões honoríficos, alguns governantes sem dinheiro.
No dia seguinte, pela manhã, a várzea do Éden ressoava de guinchos, de uivos, de gritos, de berros, de bramidos, de um alarido, enfim, que fazia tremer a terra. Eram os gatos, os leões, os cães, os tigres, os coelhos, a animalidade inteira, em suma, que acorria de toda a parte, na ânsia de receber o seu prêmio.
Sentado sobre um pequeno outeiro resplandecente, com os rolos de cauda amontoados ao lado, o Criador ia chamando, um a um, os animais aglomerados na campina.
- Leão! - gritou.
O quadrúpede formidável aproximou-se, arrastando, humilde, pelo solo fresco, a juba monstruosa, e recebeu dois metros de cauda, da mais grossa, que prendeu, imediatamente, à extremidade do espinhaço.
- Macaco! - chamou.
O animal deu um pulo, chegando-se.
- Dê-lhe metro e meio da cauda n. 2! - ordenou Jeová ao anjo Gabriel.
E assim foi distribuindo, equitativo, pelos outros bichos, dando meio metro aos cachorros, um metro aos tigres, vinte centímetros aos gatos, um metro aos bois, e, desse modo, consecutivamente.
Em certo momento, porém, chamou o Homem, entregou-lhe a sua parte, que era, mais ou menos, um metro.
- Tome! - exclamou.
- Só isso? - estranhou o ambicioso, com desdém.
Jeová encarou-o, irritado, mas pensando em vingança ainda mais terrível, ordenou:
- Então, espere aí.
O homem ficou de lado aguardando a nova chamada, e a distribuição continuou, sendo contemplados, então, na proporção das necessidades, o coelho, o gambá, o carneiro, o bode, o veado, o lobo, toda a bicharada, finalmente, que havia no Paraíso.
Aflito, retorcendo as mãos, o homem olhava o desenrolar dos rolos de corda viva, notando que ia ficar sem a sua, quando de súbito, implorou:
- E a minha, Senhor?
Dos quilômetros de cauda fabricados restavam, apenas, duas pontas pequeninas, de dois ou três centímetros, que o mísero pediu, arrependido:
- Dá-me, ao menos, uma destas sobras, meu pai!
- Destas? Não. Esta aqui é do tatú.
- E aquela, Senhor?
- Aquela? É da cotia!
Vendo-se assim preterido, como pena da sua ambição, o homem deu meia volta, e afastou-se, contrariado.
E daquilo que foi, em verdade, uma punição, fez ele depois na terra o motivo do seu orgulho…
Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. 1925.
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