quinta-feira, 25 de março de 2021

Álvares de Azevedo (Poemas Escolhidos) – 6 –

XXI


De um ramo desta faia pendurado
Veja o instrumento estar do pastor Fido;
Daquele, que entre os mais era aplaudido,
Se alguma vez nas selvas escutado.

Ser eternamente consagrado
Um ai saudoso, um fúnebre gemido;
Enquanto for no monte repetido
O seu nome, o seu canto levantado.

Se chegas a este sítio, e te persuade
A algum pesar a sua desventura,
Corresponde em afetos de piedade;

Lembra te, caminhante, da ternura
De seu canto suave; e uma saudade
Por obséquio dedica à sepultura.
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XXII

Neste álamo sombrio, aonde a escura
Noite produz a imagem do segredo;
Em que apenas distingue o próprio medo
Do feio assombro a hórrida figura;

Aqui, onde não geme, nem murmura
Zéfiro brando em fúnebre arvoredo,
Sentado sabre o tosco de um penedo
Chorava Fido a sua desventura.

As lágrimas a penha enternecida
Um rio fecundou, donde manava
D’ânsia mortal a cópia derretida:

A natureza em ambos se mudava;
Abalava-se a penha comovida;
Fido, estátua da dor, se congelava.
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XXIII

Tu sonora corrente, fonte pura,
Testemunha fiel da minha pena,
Sabe, que a sempre dura, e ingrata Almena
Contra o meu rendimento se conjura:

Aqui me manda estar nesta espessura,
Ouvindo a triste voz da filomena,  
E bem que este martírio hoje me ordena,
Jamais espero ter melhor ventura.

Veio a dar me somente uma esperança
Nova ideia do ódio; pois sabia,
Que o rigor não me assusta, nem me cansa:

Vendo a tanto crescer minha porfia,
Quis mudar de tormento; e por vingança
Foi buscar no favor a tirania.
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XXIV

Sonha em torrentes d'água, o que abrasado
Na sede ardente está; sonha em riqueza
Aquele, que no horror de uma pobreza
Anda sempre infeliz, sempre vexado:

Assim na agitação de meu cuidado
De um contínuo delírio esta alma presa,
Quando é tudo rigor, tudo aspereza,
Me finjo no prazer de um doce estado.

Ao despertar a louca fantasia
Do enfermo, do mendigo, se descobre
Do torpe engano seu a imagem fria:

Que importa pois, que a ideia alívios cobre,
Se apesar desta ingrata aleivosia,
Quanto mais rico estou, estou mais pobre.
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XXV

Não de tigres as testas descarnadas,
Não de hircanos leões a pele dura,
Por sacrifício à tua formosura,
Aqui te deixo, ó Lise, penduradas:

Ânsias ardentes, lágrimas cansadas,        
Com que meu rosto enfim se desfigura,          
São, bela ninfa, a vítima mais pura,            
Que as tuas aras guardarão sagradas.   

Outro as flores, e frutos, que te envia,        
Corte nos montes, corte nas florestas;         
Que eu rendo as mágoas, que por ti sentia:   

Mas entre flores, frutos, peles, testas,
Para adornar o altar da tirania,
Que outra vítima queres mais, do que estas?

Fonte:
Álvares de Azevedo. Poesias. Livro publicado em 1853.

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