Conheciam-se numa banca de jornal qualquer. Ela, com um Nietzsche nas mãos; ele pensando Ela gosta de Nietzsche... E ela, Quanta consoante...
O dono da banca olhava a cena, lamentando menos uma venda. Ninguém compra essa m...
Lá fora, o barulho do avião. Propaganda de um filme. Quer assistir? Por que não?, enquanto esconde o alemão no fundo da pilha. Não falei?...
Na fila do cinema, a mulher de meia-idade, cachoeira de recordações e ressentimentos febris, sugere a si mesma Mais um coração partido, coitada...
No filme, certa cena, o ritmo da música a diminuir e ele sentiu que era o momento. Depois do beijo, o abraço e mais outro, filme desfeito pela metade. Tudo escuro, trechos, acordes, sonatas, ausência. Chega! Ofegar das narinas a salvarem os corpos da omissão das bocas. Cuidado! E os cabelos, tão lisos...
Ao passar pela banca, na saída do filme, a mulher de meia idade compra um Nietzsche. Não dá pra ver daqui, mas parece A origem da tragédia.
O homem da banca, com o olhar perdido no meio das nádegas da mulher, não percebeu a m… que vendeu. Pensou na ex-mulher, que morrera, ao menos para ele, no meio de um filme, já nem se lembra qual. Confessou-lhe o adultério. Trailer da solidão futura.
Os outros dois, depois do filme, tiveram uma filha. Casaram, sem a comédia dos papeis. E depois de algum tempo, foram engolidos pelo apetite da monotonia.
Enquanto isso, a mulher de meia-idade divagava com os braços do homem da banca, que saíam de dentro de um livro que ela carregava não se lembra qual para tentar atenuar a tristeza momentânea. Sem lamentar, entendeu que fora sonho.
O livro jamais seria removido da estante. Apenas uma capa atraente, numa tarde vazia.
Sentados na mesma noite deserta, o casal colhia as poucas vogais que caíam do passado. Final da vela, os créditos a subirem enquanto a música anunciava a última curva. Novo trailer, novo filme, origem de mais um drama sem culpa.
No dia seguinte, pela manhã, o dono da banca recebe mais um Nietzsche da editora. Mais um traste pra ocupar espaço, ruminava enquanto acompanhava o rebolar da filha do casal, relativamente crescida, mocinha, Que ninguém me veja...
A menina não viu o livro. Não sabia quem era Nietzsche. E sonhava sem culpa com a próxima sessão.
O dono da banca olhava a cena, lamentando menos uma venda. Ninguém compra essa m...
Lá fora, o barulho do avião. Propaganda de um filme. Quer assistir? Por que não?, enquanto esconde o alemão no fundo da pilha. Não falei?...
Na fila do cinema, a mulher de meia-idade, cachoeira de recordações e ressentimentos febris, sugere a si mesma Mais um coração partido, coitada...
No filme, certa cena, o ritmo da música a diminuir e ele sentiu que era o momento. Depois do beijo, o abraço e mais outro, filme desfeito pela metade. Tudo escuro, trechos, acordes, sonatas, ausência. Chega! Ofegar das narinas a salvarem os corpos da omissão das bocas. Cuidado! E os cabelos, tão lisos...
Ao passar pela banca, na saída do filme, a mulher de meia idade compra um Nietzsche. Não dá pra ver daqui, mas parece A origem da tragédia.
O homem da banca, com o olhar perdido no meio das nádegas da mulher, não percebeu a m… que vendeu. Pensou na ex-mulher, que morrera, ao menos para ele, no meio de um filme, já nem se lembra qual. Confessou-lhe o adultério. Trailer da solidão futura.
Os outros dois, depois do filme, tiveram uma filha. Casaram, sem a comédia dos papeis. E depois de algum tempo, foram engolidos pelo apetite da monotonia.
Enquanto isso, a mulher de meia-idade divagava com os braços do homem da banca, que saíam de dentro de um livro que ela carregava não se lembra qual para tentar atenuar a tristeza momentânea. Sem lamentar, entendeu que fora sonho.
O livro jamais seria removido da estante. Apenas uma capa atraente, numa tarde vazia.
Sentados na mesma noite deserta, o casal colhia as poucas vogais que caíam do passado. Final da vela, os créditos a subirem enquanto a música anunciava a última curva. Novo trailer, novo filme, origem de mais um drama sem culpa.
No dia seguinte, pela manhã, o dono da banca recebe mais um Nietzsche da editora. Mais um traste pra ocupar espaço, ruminava enquanto acompanhava o rebolar da filha do casal, relativamente crescida, mocinha, Que ninguém me veja...
A menina não viu o livro. Não sabia quem era Nietzsche. E sonhava sem culpa com a próxima sessão.
Fonte:
II Prêmio UFES de Literatura. Coletânea de contos & crônicas.
II Prêmio UFES de Literatura. Coletânea de contos & crônicas.
Vitória/ES: Editora da Universidade Federal do Espírito Santo (EDUFES), 2015.
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