quarta-feira, 24 de março de 2021

Isaac Asimov (O Sorriso roubado)


Recentemente, disse para o meu amigo George, que estava comigo no bar tomando uma cerveja (ele estava tomando uma cerveja; eu estava tomando um refrigerante):

- Como vai o seu diabinho?

George se gaba de ter um demônio de dois centímetros de altura que faz tudo que ele pede. Jamais consigo fazê-lo admitir que está mentindo. Nem eu nem mais ninguém,

Ele olhou para mim e disse, em tom conspiratório:

- Ah, sim, você é aquele que sabe a respeito! Espero que não tenha contado a mais ninguém!

- Claro que não! Já basta eu achar que você é maluco. Não quero que pensem o mesmo de mim!

(Na verdade, ele já falou sobre o demônio, na minha frente, com pelo menos uma dúzia de pessoas, de modo que não haveria nenhuma razão para eu guardar segredo, mas achei melhor não dizer isso a ele.)

- Eu não aceitaria essa sua triste incapacidade de acreditar no que não pode compreender (e você não compreende tantas coisas assim), mesmo que me oferecessem em troca um quilo de plutônio. E o que vai restar de você, se o meu demônio um dia descobrir que você o chamou de diabinho, não valerá ura átomo de plutônio.

- Já sabe qual é o seu nome verdadeiro? – perguntei, sem me deixar abalar.

- O nome dele não pode ser pronunciado por lábios humanos. A tradução, pelo que ele me deu a entender, é alguma coisa como: “Sou o Rei dos Reis; admirem minha obra e fiquem de queixo caído…”. Na verdade, acho que ele está mentindo – acrescentou George, olhando pensativamente para o copo de cerveja. – Ele é um fichinha no seu mundo. É por isso que se mostra tão ansioso para fazer as minhas vontades. Em nosso mundo, com nossa tecnologia primitiva, ele pode se mostrar.

- Ele tem se mostrado ultimamente?

- Na verdade, sim – disse George, dando um profundo suspiro e levantando os olhos azuis e tristes que se fixaram nos meus. O bigode grisalho levou algum tempo para voltar ao lugar depois daquela exalação forçada.

Tudo começou com Rosie O’Donnell [disse George], que, além de ser amiga de uma das minhas sobrinhas, é uma coisinha adorável.

Ela tem olhos azuis, quase tão vivos quanto os meus; cabelos ruivos, longos e brilhantes; um narizinho delicioso, semeado de sardas da forma aprovada por todos que escrevem romances; um pescoço gracioso, ura corpo esbelto que não é opulento de forma desproporcional, mas simplesmente delicioso em suas promessas de êxtase.

Naturalmente, tudo isso tinha para mim um interesse apenas intelectual, já que cheguei à idade da discrição faz muitos anos, e hoje me entrego aos prazeres da carne apenas quando as mulheres insistem, o que, para dizer a verdade, não ocorre com muita frequência.

Além do mais, Rosie havia desposado recentemente (e, por alguma razão, adorava de forma irritante) um irlandês corpulento que não fazia nenhum esforço para esconder o fato de que era uma pessoa muito forte e possivelmente mal-humorada. Embora eu não tivesse dúvida de que poderia enfrentá-lo em minha mocidade, a triste realidade é que a minha mocidade já havia ficado para trás… um pouquinho para trás.

Assim, foi com uma certa relutância que aceitei a tendência de Rosie de me confundir com uma amiga intima do mesmo sexo e faixa etária e me fazer objeto de suas confidencias infantis.

Não que eu a culpe, compreenda. Minha dignidade natural, e o fato de que minha figura altiva faz as pessoas se lembrarem de um imperador romano, automaticamente atraem as jovens mais belas para minha pessoa. Entretanto, eu nunca havia permitido que as coisas fossem longe demais. Sempre me conservava a uma distância respeitável de Rosie, pois não queria que alguma intriga chegasse aos ouvidos do indubitavelmente forte e possivelmente mal-humorado Kevin O’Donnell.

- Oh, George – disse Rosie um dia, batendo palmas com aquelas lindas mãozinhas -o meu Kevin é mesmo um amor… sabe o que ele faz?

- Acho que você não devia… – comecei, cautelosamente, sem saber que tipo de revelação indiscreta ela estava para me fazer.

Rosie não estava nem me ouvindo.

- Ele franze o nariz, pisca o olho e sorri de um jeito tão gostoso… é como se o mundo inteiro se iluminasse. Oh, se ao menos eu tivesse um retrato dele quando faz isso! Já tentei tirar um, mas não saiu direito.

- Por que não se contenta com o original, minha cara?

A moça hesitou por um momento e depois disse, com um rubor cativante nas faces:

- Acontece que ele não é sempre assim. Kevin tem um emprego muito duro no aeroporto e às vezes chega em casa exausto. Nesses dias, se aborrece com qualquer coisa. Chega a implicar comigo. Se pelo menos eu tivesse uma fotografia dele, como realmente é, isso me serviria de consolo. Seria tão bom… – lamentou-se, com os olhos úmidos.

Devo admitir que senti vontade de lhe contar a respeito de Azazel (é assim que eu o chamo, porque me recuso a usar aquela que, segundo ele, é a tradução do seu nome verdadeiro) e lhe explicar o que ele poderia fazer por Rosie.

Entretanto, como sabe muito bem, sou uma pessoa extremamente discreta. Até agora, não consigo entender como foi que você descobriu que sou amigo de um demônio.

Além disso, foi fácil para mim resistir ao impulso, pois sou um homem prático, realista, avesso a sentimentalismos piegas. Admito que meu coração tem um fraco por mocinhas indefesas, contanto que sejam radiantemente belas (no bom sentido, é claro… quase sempre). E me ocorreu que, na verdade, eu podia muito bem ajudá-la sem mencionar Azazel. Não que ela fosse duvidar de mim, é claro, porque sou um homem cujas palavras merecem crédito, a não ser de tipos psicóticos como você.

Levei o problema a Azazel, que não se mostrou nem um pouco satisfeito.

- Você só me pede coisas abstratas – queixou-se.

- Nada disso! – protestei. – O que estou lhe pedindo é uma simples fotografia. Tudo que tem a fazer é materializá-la.

- Oh, isso é tudo que tenho a fazer? Se é tão simples assim, por que você não faz? Imagino que conheça o princípio de equivalência entre massa e energia.

- Só uma fotografia!

- É, mas com uma expressão que você é incapaz de definir ou descrever.

- Nunca o vi olhar para mim do jeito como olha para a esposa, é claro. Mas tenho uma fé infinita na sua capacidade.

Eu estava certo de que conseguiria dobrá-lo com um pouco de adulação. Azazel disse, de cara feia:

- Você vai ter de tirar a fotografia.

- Mas eu não vou conseguir a expressão…

- Não será necessário. Posso cuidar disso, mas será muito mais fácil se dispuser de um objeto material para focalizar a abstração. Uma fotografia, em suma. Uma fotografia, ainda que muito mal tirada, como provavelmente a que você vai me dar. E só me comprometo a fazer uma cópia. Não vou me arriscar a sofrer uma distensão do músculo subjuntivo só para atender a você ou a qualquer outro cabeça de alfinete deste planeta.

Sabe como é… acho que Azazel diz essas coisas para se sentir importante e valorizar o que faz por mim.

Encontrei-me com os O’Donnell no domingo seguinte, quando voltavam da missa. (Na verdade, estava à espera deles.) Não se incomodaram que eu tirasse um retrato deles em seus trajes dominicais. Rosie parecia muito alegre; Kevin, um pouco taciturno. Depois, da maneira mais casual possível, tirei uma fotografia do rosto do rapaz. Ele não estava sorrindo, nem franzindo o nariz, ou fazendo o que quer que fazia que Rosie achava tão atraente, mas achei que não tinha importância. Eu não sabia nem mesmo se a câmera estava focalizada corretamente. Afinal, não tenho muita experiência como fotógrafo.

Em seguida, visitei um amigo que adora fotografia. Ele revelou as duas fotos e fez uma ampliação do rosto de Kevin,

Na verdade, ele me atendeu de má vontade, resmungando que estava muito ocupado, mas não lhe dei atenção. Afinal, que importância poderiam ter suas tolas atividades em comparação com as questões transcendentais que me afligiam? Sempre fico surpreso com o número de pessoas que não compreendem esta simples verdade.

Depois de fazer a ampliação, porém, meu amigo mudou inteiramente de atitude. Ficou olhando para ela e disse, em um tom que só posso caracterizar como ofensivo;

- Não me diga que você conseguiu tirar uma foto como esta!

- Por que não? – disse eu, estendendo a mão para pegá-la.

Ele, porém, não parecia disposto a entregar a fotografia.

- Você vai querer mais cópias – declarou.

- Não, não vou – disse, olhando por cima do ombro.

Era uma fotografia extremamente nítida, em cores vivas.

Kevin O’Donnell estava sorrindo, embora eu não me lembrasse daquele sorriso no momento em que tirara a foto. Parecia alegre e simpático, mas para mim não fazia a menor diferença. Talvez uma mulher, ou um fotógrafo como o meu amigo (que, para ser franco, não era nenhum modelo de masculinidade) pudesse ver mais alguma coisa na foto.

- Então só mais uma… para mim – disse ele.

- Não – repeti, com firmeza, ao mesmo tempo que lhe arrancava o retrato das mãos. – £ o negativo, por favor. Pode ficar com a outra fotografia… a do casal.

- Essa não me interessa – disse, em tom petulante.

Quando saí, ele parecia muito desapontado.

Coloquei a fotografia em um porta-retratos, coloquei o porta-retratos sobre a lareira e recuei para apreciar. O rosto do rapaz tinha, realmente, uma expressão bastante jovial. Azazel tinha feito um bom trabalho.

                Fiquei imaginando qual seria a reação de Rosie. Telefonei para ela e pedi-lhe para passar na minha casa. Acontece que ela tinha algumas compras a fazer, mas se eu pudesse esperá-la mais ou menos uma hora… uma hora…

Eu podia e esperei. Eu havia embrulhado a foto para presente e entreguei-a a ela sem dizer uma palavra.

- Ei! – exclamou, enquanto abria o embrulho. – Que ideia foi essa? Não é meu aniversário nem… – Mas nessa hora ela viu o que era e interrompeu o que estava dizendo. Arregalou os olhos e começou a respirar mais depressa. Afinal, murmurou: – Minha nossa! – Olhou para mim – Você tirou esse retrato no domingo?

Fiz que sim com a cabeça.

- Está simplesmente perfeito. Oh, Kevin saiu tão bem! Era essa a expressão que eu queria captar! Por favor, posso ficar com ele?

- Claro. É todo seu – disse, com simplicidade.

Ela se pendurou no meu pescoço e me beijou nos lábios. Para uma pessoa como eu, que detesta sentimentalismos, é claro que foi constrangedor; além disso, mais tarde tive de enxugar o bigode. Mas eu sabia que era a maneira que Rosie encontrara para demonstrar sua gratidão, de modo que nada fiz para impedi-la.

Depois disso, passei uma semana sem vê-la.

Uma semana depois, encontrei-me com Rosie na porta do açougue. Teria sido uma indelicadeza de minha parte não me oferecer para carregar suas compras. Naturalmente, imaginei se isso significaria outro beijo de agradecimento e tomei a decisão de não recusar para não ofender a pobrezinha. Entretanto, ela parecia um pouco triste.

- Como vai a fotografia? – perguntei, com medo de haver desbotado.

Ela imediatamente se animou.

- Perfeita! Coloquei-a em cima da cômoda, em um ângulo tal que posso vê-la quando estou sentada à mesa para jantar. Seus olhos me veem de soslaio, de um jeito maroto,  o nariz está franzido com aquele jeitinho que só o Kevin é capaz de fazer. Parece que está vivo! Minhas amigas não tiram os olhos dele. Acho que vou escondê-la quando elas me visitarem, antes que alguma delas a roube.

- Você deve tomar cuidado é para que não roubem o seu marido – disse eu, brincando.

A expressão de tristeza voltou aos olhos de Rosie. Ela sacudiu a cabeça e disse:

- Acho que não há perigo. Resolvi tentar outra abordagem.

- O que Kevin achou da foto?

- Ele não disse uma palavra. Nem uma palavra. Nem mesmo sei se a viu.

- Por que não lhe mostra o retrato e pergunta o que acha?

Ela se manteve em silêncio enquanto eu me arrastava a seu lado por meio quarteirão, carregando aquela enorme sacola de compras e imaginando se, além de pegar no pesado, ela também estava esperando que eu lhe desse um beijo.

- Na verdade – disse Rosie, de repente -, ele está passando por uma fase de muita tensão no trabalho, por isso, acho que não seria uma boa ideia. Ele chega em casa tarde e mal fala comigo. Mas não tem importância. Você sabe como são os homens – acrescentou, tentando sorrir sem muito sucesso.

Tínhamos chegado ao edifício onde ela morava e passei-lhe a sacola. Ela me disse, ao se despedir:

- Mais uma vez, muito obrigada pela fotografia! É linda!

Entrou no edifício. Não havia pedido um beijo, e eu estava tão distraído que só me dei conta do fato quando estava a meio caminho de casa e me pareceu tolice voltar lá simplesmente para não desapontá-la.

Mais dez dias se passaram. Uma manhã, ela me telefonou. Será que eu podia ir almoçar na sua casa? Eu disse para ela que não ficaria bem. O que os vizinhos iriam pensar?

- Ora, que bobagem! Você é tão velho que… quero dizer, você é um velho amigo. Ninguém jamais pensaria… além do mais, preciso dos seus conselhos.

Quando ela disse isso, tive a impressão de que estava soluçando.

Bem, você sabe que sou um cavalheiro, de modo que na hora do almoço lá estava eu naquele pequeno e aprazível apartamento. Rosie havia preparado sanduíches de queijo e presunto e fatias de torta de maçã, e a fotografia estava em cima da cômoda, exatamente como ela dissera.

Rosie me apertou a mão e não fez nenhuma menção de me beijar, o que teria me deixado aliviado se não estivesse tão preocupado com sua aparência. Ela estava positivamente transtornada. Comi metade de um sanduíche esperando que dissesse alguma coisa. Quando vi que não eslava disposta a falar, decidi perguntar-lhe diretamente o que a deixara tão aborrecida.

- Foi Kevin? – perguntei, só para confirmar.

Ela fez que sim com a cabeça e começou a chorar sem parar. Dei-lhe um tapinha na mão e perguntei-me se isso seria suficiente para consolá-la. Abracei-a com carinho, e ela finalmente disse:

- Acho que ele vai perder o emprego.

- Não diga bobagens. Por quê?

- Ele anda tão nervoso! Não só aqui em casa, mas no trabalho também, ao que parece. Há séculos que não o vejo sorrir. Não me lembro da última vez que me beijou ou me disse uma palavra gentil. Está sempre brigando com todo mundo, o tempo todo. Não quer me dizer o que há de errado e fica danado quando pergunto. Um amigo nosso, que trabalha no aeroporto com Kevin, telefonou ontem para mim. Disse que Kevin está se comportando de uma forma tão estranha no trabalho que seus superiores já começaram a notar. Tenho certeza de que se continuar assim vai ser despedido, mas que posso fazer!

Eu estava esperando alguma coisa parecida desde o nosso último encontro, e sabia que era melhor dizer a verdade… Azazel que se danasse. Pigarreei.

- Rosie… a fotografia…

- Eu sei, eu sei – disse ela, pegando a fotografia e apertando-a contra os seios. – É ela que me dá ânimo para continuar a viver. Este é o verdadeiro Kevin, e sempre o terei, sempre, independente do que acontecer. – Ela começou a soluçar.

Foi muito difícil para mim dizer o que tinha de ser dito, mas não havia outra saída.

- Você não entende, Rosie – comecei. – O problema é justamente a fotografia. Tenho certeza. Toda essa simpatia, toda essa alegria de viver, tinham de vir de algum lugar. Foram tiradas do próprio Kevin. Você não entende?

Rosie parou de chorar.

- Do que é que você está falando! Uma fotografia é apenas a impressão que a luz deixa num filme!

- Claro, claro, mas no caso desta fotografia… – Desisti. Eu conhecia as limitações de Azazel. Ele não podia ter criado a mágica da fotografia a partir do nada, mas seria difícil explicar a Rosie a lei da conservação da alegria.

- Vamos colocar a coisa deste jeito. Enquanto essa fotografia continuar aqui, Kevin continuará infeliz, nervoso e mal-humorado.

- Mas é claro que ela vai continuar aqui – disse Rosie, colocando a foto de volta no lugar. – Não entendo como você pode dizer coisas desagradáveis de um objeto tão lindo… Sabe de uma coisa? Vou fazer um café para nós.

Ela foi para a cozinha, e dei-me conta de que jamais a convenceria a desfazer-se do retrato. Fiz a única coisa que, nas circunstâncias, me restava. Afinal de contas, a fotografia tinha sido tirada por mim. Sentia-me responsável pelas suas propriedades maléficas. Peguei o porta-retratos, removi rapidamente a fotografia, rasguei-a em dois pedaços… quatro… oito… dezesseis, e guardei no bolso os pedaços de papel.

Nesse momento, o telefone tocou e Rosie entrou na sala para atender. Coloquei o porta-retratos de volta no lugar. Sentei-me e esperei.

Ouvi a voz de Rosie, radiante.

- Oh, Kevin, que maravilha! Estou tão contente! Mas por que você não me disse? Nunca mais faça isso comigo!

Aproximou-se de mim, com um sorriso de felicidade no rostinho bonito.

- Sabe o que meu marido fez? Ele estava com uma pedra no rim há quase três semanas. Consultou inclusive um médico. Estava sofrendo dores terríveis, talvez tivesse de ser operado, e não me contou nada! Disse que não queria me deixar preocupada. Que tolo! Não admira que estivesse tão nervoso e mal-humorado. Nem ocorreu a ele que procedendo assim me deixaria muito mais preocupada do que se me contasse tudo desde o início. Francamente! Os homens não têm jeito mesmo!

- Mas por que agora você está tão alegre?

- Porque ele eliminou a pedra. Isso aconteceu há alguns minutos e a primeira coisa que Kevin fez foi ligar para mim, o que foi muita gentileza da parte dele… já era tempo. Parecia tão feliz e animado! Era como se tivesse voltado a ser o velho Kevin. Era como se eu estivesse falando com o Kevin da fotografia, que… – Interrompeu o que estava dizendo e gritou: – Onde está a fotografia?

Eu estava de pé, preparando-me para ir embora. Antes de chegar à porta, disse para ela;

- Eu a rasguei. Foi por isso que ele expeliu a pedra. Caso contrário…

- Você rasgou aquele retrato? Seu…

Abri a porta e saí correndo antes que ela terminasse a frase. Não esperei o elevador, mas desci as escadas de dois em dois degraus, ouvindo ao longe o som dos seus gritos.

Quando cheguei em casa, queimei os pedaços da fotografia.

Nunca mais a vi. Pelo que me contaram, Kevin tem sido um marido exemplar e os dois são muito felizes juntos, mas a única carta que recebi de Rosie (sete páginas em letra miúda) deixou claro que ela achava que o cálculo renal era uma explicação mais do que suficiente para o mau humor de Kevin e que a sua chegada e partida em perfeito sincronismo com a fotografia não passava de simples coincidência.

Ela fazia algumas ameaças impensadas contra minha vida e, em particular, contra certas partes do meu corpo, fazendo uso de palavras e frases que eu jamais suspeitara de que fizessem parte do vocabulário dela.

E eu suponho que jamais me beijará de novo, o que me traz, por uma razão que não sei explicar bem, um certo sentimento de frustração.

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