quinta-feira, 11 de março de 2021

Auta de Souza (Poemas Escolhidos) – 2

CLARISSE

 
“Não sei o que é tristeza,” ela me disse...
E a sua boca virginal sorria:
Ninho de estrelas, concha de ambrosia
Cheia de rosas que do Céu caísse!
 
E eu docemente murmurei: Clarisse,
Será possível que tu’alma fria
Ouvindo o choro da Melancolia
O ressábio do fel nunca sentisse?
 
Será possível que o teu seio, rosa,
Nunca embalasse a lágrima formosa?
Ah! não és rosa, pois não tens espinho!
 
E os olhos teus, dois templos de esperança,
Nunca viram sofrer uma criança,
Nunca viram morrer um passarinho!
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NEVER MORE
                                                 A uma falsa amiga

I

Não te perdoo, não, meu tristes olhos
Não mais hei de fitar nos teus, sorrindo:
Jamais minh’alma sobre um mar de escolhos
Há de chamar por ti no anseio infindo.
 
Jamais, jamais, nos delicados folhos
Do coração como n’um ramo lindo,
Há de cantar teu nome entre os abrolhos
A ária gentil de meu sonhar já findo.
 
Não te perdoo, não! E em tardes claras,
Cheias de sonhos e delícias raras,
Quando eu passar à hora do Sol posto:
 
Não rias para mim que sofro e penso,
Deixa-me só neste deserto imenso...
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
 
II
 
Ah! se eu pudesse nunca ver teu rosto!
E nem sequer o som de tua fala
Ouvir de manso à hora do Sol posto
Quando a Tristeza já do Céu resvala!

 Talvez assim o fúnebre desgosto
Que eternamente a alma me avassala
Se transformasse n’um luar de Agosto,
Sonho perene que a Ventura embala.
 
Talvez o riso me voltasse à boca
E se extinguisse essa amargura louca
De tanta dor que a minha vida junca...
 
E, então, os dias de prazer voltassem
E nunca mais os olhos meus chorassem...
Ah! se eu pudesse nunca ver-te, nunca!
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NOITES AMADAS
 
Ó noites claras de lua cheia!
Em vosso seio, noites chorosas,
Minh’alma canta como a sereia,
Vive cantando n’um mar de rosas;
 
Noites queridas que Deus prateia
Com a luz dos sonhos das nebulosas,
Ó noites claras de lua cheia,
Como eu vos amo, noites formosas!
 
Vós sois um rio de luz sagrada
Onde, sonhando, passa embalada
Minha Esperança de mágoas nua...
 
Ó noites claras de lua plena
Que encheis a terra de paz serena,
Como eu vos amo, noites de lua!
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NUNCA MAIS

Que é feito de meu sonho, um sonho puro
Feito de rosa e feito de alabastro,
Quimera que brilhava, como um astro,
Pela noite sem fim do meu futuro?

Que é feito deste sonho, o cofre aberto
Que recebia as gotas de meu pranto,
Bagas de orvalho, folhas de amaranto,
Perdidas na solidão de meu deserto?

Ele passou como uma nuvem passa,
Roçando o azul em flor do firmamento...
Ele partiu, e apenas o tormento,
Sobre minh’alma triste, inda esvoaça.

Meu casto sonho! Lá se foi cantando,
Talvez em busca de uma pátria nova.
Deixou-me o coração como uma cova,
E dentro dele, o meu amor chorando.

Nunca mais voltará... Pois, que lhe importa
Esta morada lúgubre e sombria?
Não pode agasalhar uma alegria
Minh’alma, pobre morta!
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SAUDADE
                       
A ela, a Eugênia, a doce criatura que me chama irmã.
 
Ah! se soubesse quanto sofro e quanto
Longe de ti meu coração padece!
Ah! se soubesses como dói o pranto
Que eternamente de meus olhos desce!
 
Ah! se soubesses!... Não perguntarias
De onde é que vem esta sombria mágoa
Que traz-me o peito cheio de agonias
E os tristes olhos arrasados d’água!
 
Querem que a lira de meus versos cante
Mais esperança e menos amargura,
Que fale em noites de luar errante
E não invoque a pobre noite escura.
 
Mas... como posso eu levar sonhando
A vida inteira n’um anseio infindo,
Se choro mesmo quando estou cantando
Se choro mesmo quando estou sorrindo!
 
Ouve, ó formosa e doce e imaculada,
Visão gentil de eterna fantasia:
Minh’alma é uma saudade desfolhada
De mãe querida sobre a cova fria.
 
Ah! minha mãe! Pois tu não sabes, santa,
Que Ela partiu e me deixou no berço?
Desde esse dia a minha lira canta
Toda a saudade que lhe inspira o verso!
 
Depois que Ela se foi a Mágoa veio
Encher-me o coração de luto e abrolhos.
Eu sofro tanto longe de seu seio,
Eu sofro tanto longe de seus olhos!
 
Ó minha Eugênia! Estrela abençoada
Que iluminas o horror deste deserto...
De teu afeto a chama consagrada
Lança à minh’alma como um pálio aberto.
 
Quando beijares teus filhinhos, pensa
O que seria d’eles sem teus beijos;
E, então, compreenderás a dor imensa,
A amargura cruel destes harpejos!
 
Junta as mãozinhas dos pequenos lírios,
Das criancinhas que tu’alma adora,
E ensina-os a rezar sobre os martírios
E a saudade infinita de quem chora.

Fonte:
Auta de Souza.  Horto. (prefácio de Olavo Bilac). Publicado em 1900.

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