A rabeca e a flauta tocavam, o reboliço era geral, notando-se instantes mais tarde a ausência da mãe da noiva, que desaparecera no tumulto.
E o quadrista inspirado não perdia o momento; e alteando a prima, tocando nos bordões, aproveitando o intervalo da música, lá ia:
Ó senhora mãe da noiva,
Saia fora da cozinha,
Venha ver a sua filha
Como está tão bonitinha.
Saia fora da cozinha,
Venha ver a sua filha
Como está tão bonitinha.
E os “bravos” e as palmas coroavam o cantor, o violeiro do mato, nos seus repentes oportunos. Nisso as mucamas acendiam os candelabros, as velas nas mangas de vidro, ouvindo-se de dentro o barulho dos pratos e as vozes dirigentes de pôr a mesa.
O pai da noiva, previdente em tudo, mandara cuidar da cavalhada, dos bois do carro, do pessoal escravo da comitiva, que mais livremente se entregaria à noite às comezainas e ao fado. E no salão a flauta e a rabeca tocavam, dando sinal para a primeira quadrilha.
Nisso a dona da casa chegava radiante, cumprimentando novamente os seus convidados, imprimindo um beijo na fronte pura de sua filha, e pedindo a todos a fineza de a acompanharem para o jantar.
E entravam...
A lauta e extensa mesa apinhava-se de súbito, de senhoras e de homens, ficando a maior parte, entretanto, para as subsequentes, tão numerosos eram os convivas.
Os principais da festa, ocupando as cabeceiras, em seus lugares especiais, as pessoas mais gradas e de distinção da localidade, o banquete iniciava-se, e depois de servida a sopa, um trinchador poeta, tomando de um trinchante, cantava:
O pai da noiva, previdente em tudo, mandara cuidar da cavalhada, dos bois do carro, do pessoal escravo da comitiva, que mais livremente se entregaria à noite às comezainas e ao fado. E no salão a flauta e a rabeca tocavam, dando sinal para a primeira quadrilha.
Nisso a dona da casa chegava radiante, cumprimentando novamente os seus convidados, imprimindo um beijo na fronte pura de sua filha, e pedindo a todos a fineza de a acompanharem para o jantar.
E entravam...
A lauta e extensa mesa apinhava-se de súbito, de senhoras e de homens, ficando a maior parte, entretanto, para as subsequentes, tão numerosos eram os convivas.
Os principais da festa, ocupando as cabeceiras, em seus lugares especiais, as pessoas mais gradas e de distinção da localidade, o banquete iniciava-se, e depois de servida a sopa, um trinchador poeta, tomando de um trinchante, cantava:
Estes franguinhos assados
Foram bem recheadinhos,
São presentes para os noivos
Que fizeram os padrinhos.
Foram bem recheadinhos,
São presentes para os noivos
Que fizeram os padrinhos.
E um conviva, erguendo um copo de vinho acima da cabeça:
Taplã... taplã... zabumba,
Bravo a vida militar;
Defender as moças belas
E depois rir e folgar.
O soldado, que é valente,
Passa a vida a batalhar;
O soldado, que é mofino,
Passa a vida a namorar.
Hip!... hip!... urrah!...
Bravo a vida militar;
Defender as moças belas
E depois rir e folgar.
O soldado, que é valente,
Passa a vida a batalhar;
O soldado, que é mofino,
Passa a vida a namorar.
Hip!... hip!... urrah!...
E as saúdes aos noivos, aos pais do ditoso par, a todos e a cada um de per si estrondavam à porfia; e um outro convidado, puxando para perto um peru assado, desarticulava-o, entoando:
Este peru que aqui está,
Ontem morreu empapado;
Eu aviso ao senhor noivo
Que o coma com cuidado...
Ontem morreu empapado;
Eu aviso ao senhor noivo
Que o coma com cuidado...
Um segundo repentista:
Da leitoa que aqui está,
Desconfiem, tenham medo,
O trinchador que a trinchar
Olhe que lhe morde o dedo.
Desconfiem, tenham medo,
O trinchador que a trinchar
Olhe que lhe morde o dedo.
E todos, erguendo-se e empunhando copos:
Azeitonas bem curtidas
Têm um singular sabor,
Só me lembro dos amigos
Quando bebo este licor.
Hip!... hip!... urrah!...
Têm um singular sabor,
Só me lembro dos amigos
Quando bebo este licor.
Hip!... hip!... urrah!...
Caloroso e animadíssimo corria o festim; o entusiasmo transbordava das expansões dos convivas como o vinho das taças cheias; a alegria e a felicidade transpareciam do sorriso dos noivos e das meiguices da família.
Mas o complicado jantar demorava o baile roceiro e as danças tradicionais.
Então o violeiro obscuro, transpondo a sala do banquete, pedia a palavra, empunhava a viola e improvisava gaiato:
Sinhá noiva e sinhô noivo,
Deus lhes dê um bom estado:
Que daqui a nove meses
Haja um rico batizado.
Deus lhes dê um bom estado:
Que daqui a nove meses
Haja um rico batizado.
E dos circunstantes, que se levantavam em massa, bradava um:
É a última saúde! A saúde de honra! É de virar! Vivam os noivos!...
Gato amarrado
Dá para miar,
A boa champanha
Dá para dançar!
Este é o gato,
Que matou o rato
Que roeu a corda
Que amarrava a bota...
Bota vinho! Bota!
Vira, vira, vira!...
Hip!... hip!... urrah!...
Dá para miar,
A boa champanha
Dá para dançar!
Este é o gato,
Que matou o rato
Que roeu a corda
Que amarrava a bota...
Bota vinho! Bota!
Vira, vira, vira!...
Hip!... hip!... urrah!...
E aos sons da música, que preludiava a quadrilha, contratavam-se os pares, o noivo e a noiva figuravam, as primas e os primos tomavam parte, cada qual com seu botão de flor de laranjeira como distintivo na abotoadura do paletó e no corpinho.
Findas as primeiras quadrilhas, as primeiras valsas, o elemento nacional e dominante – o chiba – campeava absoluto, lânguido, peneirado, buliçoso, como a volúpia das nossas noites mornas e estreladas.
E aos tinidos das violas, aos arpejos quentes dos menestréis pátrios, a trova deslizava sonora, a cantiga brotava plangente, encantando a noite do noivado e a sorte futura do nascente lar.
Então a noiva e o noivo, os padrinhos e madrinhas, os convidados em chusma, às toadas das violas, ao canto sonoro dos violeiros, caíam na chula, requebravam na fieira, aos epitalâmios dos trovadores em suas cantigas a esmo:
Sinhô noivo, dê-me um doce,
Sinhá noiva manda dá;
Pois pela noite adiante
Sinhá noiva pagará.
Dança o fado, minha gente,
Que uma noite não é nada;
Se eu não for dormir agora,
Dormirei de madrugada.
Sinhá noiva manda dá;
Pois pela noite adiante
Sinhá noiva pagará.
Dança o fado, minha gente,
Que uma noite não é nada;
Se eu não for dormir agora,
Dormirei de madrugada.
Ao passo que o chiba recrudescia bamboleado, macio, palmejado, sapateado, os que não dançavam conservavam-se de costas para as janelas, sentados nas cadeiras enfileiradas; e do belo sexo duas ou três representantes, levantando-se sorrateiras, entravam no quarto dos noivos, admirando o bom gosto, pegando nos cortinados, lavando as mãos no jarro, bisbilhotando adiantadas.
Antigamente era de costume botar-se espinhos de roseira debaixo dos lençóis, atar-se guizos e campainhas nas extremidades das colchas, esconder-se mesmo um indivíduo debaixo da cama, para latir, miar, cantar como galo, fazendo desapontar os noivos, que disparavam do quarto entre gargalhadas e alegre alarido dos que lhes armavam a peça.
E cansados os dançadores, ofegantes as bailarinas, descansavam um pouco, iam tomar café e refrescos, ficando a mesa posta e constantemente renovada para os que quisessem servir-se.
De repente a desafinada rabeca anunciava fanhosa outra valsa e o bródio prosseguia ainda.
No terreiro, os escravos batucavam, quebravam na chula e cantavam suas trovas.
E quando as danças estrangeiras paravam, o fado rompia nas violas, ponteadas pelos tocadores da roça, no salão que começava a aclarar-se das barras longínquas do amanhecer.
E os convidados, na maior parte, não resistindo à tentação que lhes bulia na alma, pulavam no meio, o noivo e a noiva despencavam-se no rodopio, e o cantador trigueiro lavava o peito dos circunstantes com suas cantigas variadas:
O fado veio no mundo
Para amparo da pobreza,
Quando me vejo num fado
Não me importo com a riqueza.
A viola pela prima,
A prima pelo bordão,
O homem pela palavra
Leva a mulher pela mão.
Para amparo da pobreza,
Quando me vejo num fado
Não me importo com a riqueza.
A viola pela prima,
A prima pelo bordão,
O homem pela palavra
Leva a mulher pela mão.
Um casamento na roça era, com poucas variantes, o que aí fica descrito; e essas festas, que entravam sempre pela noite adiante, duravam por dias, na plenitude da abastança e da felicidade.
Fonte:
Melo Morais Filho. Festas e Tradições Populares do Brasil.
Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002.
Melo Morais Filho. Festas e Tradições Populares do Brasil.
Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002.
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