terça-feira, 23 de março de 2021

Aparecido Raimundo de Souza (Parte 37) Espírito de porco

GODOFREDO ENCONTROU, por mero acaso, o Zé Fungador, em frente a estação da Central do Brasil. Assim que viu o amigo, correu a abraça-lo efusivamente e tratou logo de lhe passar as notícias quentes do bairro onde morava.

Godofredo:
— Zé Fungador, meu velho, quanto tempo. Que bom te ver. Você não sabe da última. Nem te conto!

Zé Fungador:
—  Conte, Godô. Começou, termina...

Godofredo:
— Você mudou lá da Vila Isabel. Ainda tem interesse em saber das baixarias?

Zé Fungador:
— Sempre, claro. Manda vê. Qualé, Godô?

Godofredo:
— A loirinha Zezé do Braço Torto, esposa do policial Malfredão Tomba na Bala, lembra dela?

Zé Fungador:
— Muito. O que ela aprontou desta vez? Largou do troglodita do marido?

Godofredo:
— Qual o quê. A gororoba agora é outra.

Zé Fungador:
— Fala de uma vez.

Godofredo:
— A Zezé do Braço Torto fez um curso rapidez de adivinhações interligadas com os espíritos, com uma velha macumbeira lá pelas bandas de Cocotá, na Ilha do Governador. Está ganhando dinheiro, cara. Agora recebe uma entidade que está deixando toda a galera em polvorosa.

Zé Fungador:
— Quando estiver com ela, transmita os meus parabéns.

Godofredo:
— Com certeza, com certeza, mano. Para você ter ideia, Zé Fungador, ela está tão centrada na coisa, que ontem, meu Deus, ontem, ela fez o sobrenatural, com a qual passou a trabalhar conhecido nos meios ‘macumbáticos’ como ‘Pai Caixão Encomendado’, um mero liquidificador falar... Acredita, meu caro, um mero liquidificador?

Zé Fungador:
— Acredito.

Godofredo:
— De verdade?

Zé Fungador:
— Piamente.

Godofredo:
— Logo depois, foi a vez de um botijão de gás.

Zé Fungador:
— Credo, Godofredo. Um botijão de gás?

Godofredo:
— Sim, Eu vi e ouvi com este par de olhos verdes que a terra haverá de comer...

Zé Fungador:
— E o que o botijão trouxe à baila?

Godofredo:
— Que ia vazar do pedaço. Reclamou do fogão. Ele disse, com todas as letras, num português meio enrolado, ‘que a manguera das quatru boquinha não dexa o buracu da sua bilha em paz!'.

Zé Fungador:
— Que coisa de maluco...

Godofredo:
— E disse mais: que vai boicotar o gás, para que não chegue nos fundilhos das panelas.

Zé Fungador:
— Interessante...

Godofredo:
— Você acha isto interessante, Zé Fungador?

Zé Fungador:
— Acho. Você não?

Godofredo:
— Bem, mano, cada um pensa de um jeito. A galera lá do pedaço me mandou um Zapp, tem uns oito minutos. Pediram para eu chegar rápido. Hoje a Zezé do Braço Torto vai fazer o aspirador de pó soltar a língua. Quero estar lá pra ver. Não quer ir comigo, Fungador?

Zé Fungador:
— Fica pra próxima. Tenho um encontro em Realengo.

Godofredo:
— Não está curioso para ver o que o aspirador de pó revelará?

Zé Fungador:
— To fora, Godofredo. Ainda bem que me mudei de lá. Eita bairro danado pra galera fazer fofoca.

Godofredo:
— Não entendi.

Zé Fungador:
— Eu ficaria preocupado com a Zezé, ou com o caboclo que ela recebe, se a engraçadinha pusesse a cama de casal do quarto dela pra abrir o bico e contar o que sabe...

Godofredo:
— Por quê? Em que se baseia a sua preocupação, nesta altura do campeonato com a droga da cama da nossa amiga e ex-vizinha sua?

Zé Fungador:
— Deixa quieto...

Godofredo:
— Desembucha, mano.

Zé Fungador:
— Esquece.

Godofredo:
— Tô ligado. Você está com medo do tal Pai Caixão Encomendado que ela recebe falar pelos cotovelos. Acertei?

 Zé Fungador:
— Pirou, cara. Eu lá tenho medo de alguma entidade?

Godofredo:
— Posso ser franco, Zé Fungador? Acho que sim. Se você for lá e a Zezé der na telha de botar o espírito das profundas pra fazer a cama de casal do quarto soltar os podres, eu acho que você estaria frito, meu amigo. Frito e, logicamente, em maus lençóis. E pior: as revelações poriam, em seus calcanhares, o Malfredão Tomba na Bala. É ou não é verdade?

Zé Fungador não chegou a ouvir estas derradeiras palavras. Saiu de fininho, literalmente à francesa. Atravessou correndo a avenida movimentada e caiu ligeiro para dentro da estação superlotada.

Fonte:
Parte integrante do livro de crônicas de Aparecido Raimundo de Souza, ‘COMÉDIAS DA VIDA NA PRIVADA’ – Editora AMC-GUEDES - Rio de Janeiro. 2021. Texto enviado pelo autor.

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