A MINHA VIDA
I
Este mundo é-me um deserto
Por onde um vulcão passou,
E gravada a minha história
Em traços negros deixou.
São-lhes tetos bronzeados
Escuros, medonhos céus,
Onde bramam tempestades
Em contínuos escarcéus.
Só, por ele vai minh’alma,
Nos destroços tropeçando,
Com passo tardio e incerto
Tristemente caminhando.
Marcha... marcha... enfim, cansada
De tão longo caminhar,
Nalguma pedra que encontra
Descansa, e põe-se a chorar.
Olha o céu... nem uma estrela!
Olha a terra... é negro chão!
Clama em brados por socorro,
Só responde o furacão!
Nos olhos seca-lhe o pranto...
Continua a caminhar,
E noutra pedra distante
Descansa, e põe-se a chorar.
II
É triste o seu fadário: mas ao menos
Oh! bálsamo do céu, piedosas lágrimas!
Da infeliz peregrina a dor pungente
Um pouco mitigais.
E só me alento
Quando posso chorar: são meus prazeres
Um banquete de lágrimas! Mil vezes
Alegre ter-me-ão visto entre os alegres,
Conversando, soltar ditos chistosos
A rir e fazer rir. Um drama a vida
Não é? Porque julgar-se do semblante,
Do semblante, essa máscara de carne
Que o homem recebeu para entrar no mundo,
O que por dentro vai? É quase sempre,
Se há estio no rosto, inverno n’alma.
Confesso-me ante vós; ouvi, contentes!
O meu riso é fingido; sim, mil vezes
Com ele afogo os ecos de um gemido
Qu’imprevisto me chega à flor dos lábios;
Mil vezes sobre as cordas afinadas
Que tanjo, o canto meu acompanhando,
Cai pranto. Oh! praza ao céu qu’inda o não vísseis!
Eu me finjo ante vós, que o fingimento
É no lar do prazer prudência ao triste.
Louco fora por certo o que cantasse
D’exéquias hino em bodas: ou de noiva,
Qu’em transportes de amor o esposo abraça,
Crepe de viuvez lançasse ao tálamo.
Eu me finjo ante vós porque venero
O sublime das lágrimas; conheço-as;
São modestas Vestais, vivem no ermo,
Aborrecem festins; olhos que o fogo
Do banquete acendeu-lhes são odiosos:
Descidas lá do céu, Virgens do Empírio,
Têm vestes de cristal, temem manchá-las.
Bem fechadas nos claustros de meus olhos,
Dentro em meu coração hei de escondê-las,
Guardá-las bem de vós, contentes, hei-de,
Porque a dor me não traia neste empenho,
Zelosa e vigilante sentinela,
Em meus lábios trazer constante um riso.
III
Hei de fingir-me ante vós,
Porque sei que o desgraçado,
Se a desgraça não oculta,
É de todos desprezado:
Que o feliz, que goza os frutos
Dos pomares da ventura,
Não conhece o gosto acerbo
Da peçonha da amargura;
Que aos tristes consoladoras,
Palavras nos lábios seus,
São as palavras de Cristo
Na boca dos Fariseus.
IV
Nestes versos vos dou minha vida:
Minha vida, mortais, é assim:
Ante os homens um riso mentido,
Longe deles um pranto sem fim.
É veneno de arábico aroma,
Entre fumo sutil disfarçado;
É cadáver de carnes despido,
Com vestidos de gala trajado.
É sepulcro, onde, o escárnio da morte,
Mausoléu majestoso se arvora;
Morte, trevas e terra por dentro:
Vida, luzes e pompa por fora.
Nestes versos vos dou minha vida,
Minha vida, mortais, é assim:
Ante os homens um riso mentido,
Longe deles um pranto sem fim.
I
Este mundo é-me um deserto
Por onde um vulcão passou,
E gravada a minha história
Em traços negros deixou.
São-lhes tetos bronzeados
Escuros, medonhos céus,
Onde bramam tempestades
Em contínuos escarcéus.
Só, por ele vai minh’alma,
Nos destroços tropeçando,
Com passo tardio e incerto
Tristemente caminhando.
Marcha... marcha... enfim, cansada
De tão longo caminhar,
Nalguma pedra que encontra
Descansa, e põe-se a chorar.
Olha o céu... nem uma estrela!
Olha a terra... é negro chão!
Clama em brados por socorro,
Só responde o furacão!
Nos olhos seca-lhe o pranto...
Continua a caminhar,
E noutra pedra distante
Descansa, e põe-se a chorar.
II
É triste o seu fadário: mas ao menos
Oh! bálsamo do céu, piedosas lágrimas!
Da infeliz peregrina a dor pungente
Um pouco mitigais.
E só me alento
Quando posso chorar: são meus prazeres
Um banquete de lágrimas! Mil vezes
Alegre ter-me-ão visto entre os alegres,
Conversando, soltar ditos chistosos
A rir e fazer rir. Um drama a vida
Não é? Porque julgar-se do semblante,
Do semblante, essa máscara de carne
Que o homem recebeu para entrar no mundo,
O que por dentro vai? É quase sempre,
Se há estio no rosto, inverno n’alma.
Confesso-me ante vós; ouvi, contentes!
O meu riso é fingido; sim, mil vezes
Com ele afogo os ecos de um gemido
Qu’imprevisto me chega à flor dos lábios;
Mil vezes sobre as cordas afinadas
Que tanjo, o canto meu acompanhando,
Cai pranto. Oh! praza ao céu qu’inda o não vísseis!
Eu me finjo ante vós, que o fingimento
É no lar do prazer prudência ao triste.
Louco fora por certo o que cantasse
D’exéquias hino em bodas: ou de noiva,
Qu’em transportes de amor o esposo abraça,
Crepe de viuvez lançasse ao tálamo.
Eu me finjo ante vós porque venero
O sublime das lágrimas; conheço-as;
São modestas Vestais, vivem no ermo,
Aborrecem festins; olhos que o fogo
Do banquete acendeu-lhes são odiosos:
Descidas lá do céu, Virgens do Empírio,
Têm vestes de cristal, temem manchá-las.
Bem fechadas nos claustros de meus olhos,
Dentro em meu coração hei de escondê-las,
Guardá-las bem de vós, contentes, hei-de,
Porque a dor me não traia neste empenho,
Zelosa e vigilante sentinela,
Em meus lábios trazer constante um riso.
III
Hei de fingir-me ante vós,
Porque sei que o desgraçado,
Se a desgraça não oculta,
É de todos desprezado:
Que o feliz, que goza os frutos
Dos pomares da ventura,
Não conhece o gosto acerbo
Da peçonha da amargura;
Que aos tristes consoladoras,
Palavras nos lábios seus,
São as palavras de Cristo
Na boca dos Fariseus.
IV
Nestes versos vos dou minha vida:
Minha vida, mortais, é assim:
Ante os homens um riso mentido,
Longe deles um pranto sem fim.
É veneno de arábico aroma,
Entre fumo sutil disfarçado;
É cadáver de carnes despido,
Com vestidos de gala trajado.
É sepulcro, onde, o escárnio da morte,
Mausoléu majestoso se arvora;
Morte, trevas e terra por dentro:
Vida, luzes e pompa por fora.
Nestes versos vos dou minha vida,
Minha vida, mortais, é assim:
Ante os homens um riso mentido,
Longe deles um pranto sem fim.
Fonte:
Laurindo Rabelo. Poesias completas.
Laurindo Rabelo. Poesias completas.
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