— Eu vou matar a minha mulher.
O detetive pensou ter ouvido errado o que lhe dizia a voz ao telefone. Pediu que repetisse.
— Estou dizendo que vou matar a minha mulher — repetiu a voz, calma demais, para a notícia que dava.
— Quem fala? — inquiriu o detetive.
— Meu nome é Felinto. Acho que o senhor está desacreditando o que ouve, mas garanto que é verdade.
— Bem.. .
— Eu estou telefonando para o distrito porque resolvi matar a minha mulher. Entendeu agora?
Não era admissível o que acontecia. O detetive teve vontade de dizer que não aborrecesse, que deixasse de ser idiota, fosse cuidar de outra coisa, em vez de ficar passando trotes para o distrito.
— Isso pode lhe custar caro — advertiu o policial.
— Não esqueça que eu avisei. Não gostaria de matar minha mulher sem que ela tivesse uma chance. A oportunidade que lhe dou é esta: avisar a polícia meia hora antes. Dentro de trinta minutos ela estará morta.
Antes de desligar, apresentou-se:
— Meu nome é Felinto. Escutou?
— Felinto, Felinto — repetiu o detetive. — Mas por que é que o senhor...
Ele desligara.
Um colega ao lado quis saber do que se tratava. Ao tomar conhecimento se riu à beça. Achou que era brincadeira.
— Mas, e se for verdade?
— Se for verdade é simples. Em 30 minutos você terá, apenas, que localizar, no Rio de Janeiro, um cara chamado Felinto. Como há muitos, você reunirá aqui todos os Felintos que encontrar e fará uma pesquisa. Depois de descobrir quais os Felintos que apresentam motivos para matar a mulher, você...
O detetive concordou que era bobagem tentar qualquer coisa. Mas era evidente que acreditava no telefonema.
A noite, até aquela hora, tinha corrido calma. Seriam onze, de uma segunda-feira, dia de poucos delitos. O detetive foi ao botequim ao lado, tomar um café. Comentou com um amigo o telefonema insólito, e que não conseguia esquecer.
— Deve ter transa de mulher no meio. Só um problema de marido e mulher pode gerar uma atitude assim.
A cabeça do detetive estalou. O colega notou sua palidez. Correu ao distrito e, aflito, discou o número da zona norte que sabia de cor. Aguardou um minuto. Ninguém atendeu.
— Será que ela saiu?
Ficou um tempo sem saber o que fazer. Lembrou de uma amiga de Violeta, a mulher casada com quem tinha encontros vespertinos. Ligou. A amiga respondeu.
— Lúcia?
— Ela. Quem fala?
— Paraíso. Olha...
Contou. Lúcia não sabia de Violeta. O nome do marido dela, sim, sabia: Felinto.
Desligou, lívido. Agora já localizara o Felinto que ia matar e, pior, sabia quem era a mulher que seria morta. Comunicou ao delegado.
— Problema seu. Quem mandou se meter com mulher casada?
Como encontrar Violeta àquela hora? Podia ter ido ao cinema, perto de casa. Não dava tempo de ir ao Cine Melo, fazer suspender a sessão, procurá-la entre os espectadores...
Telefonou mais uma vez pra casa dela. Atendeu um homem.
— Três — zero — quatro — sete — oito...
— Quem fala? — perguntou, antes que ele dissesse o número completo.
— O dono da casa.
— Seu nome, por favor.
— Não interessa o meu nome. Quer falar com quem?
— Dona Violeta, por favor.
— Saiu. Quem quer falar com ela?
Desligou. Tinha 20 minutos para chegar à Penha e ficar na porta do prédio, evitando que Violeta entrasse. O delegado cedeu uma viatura. Com a sirene ligada, a RP zuniu, cantando os pneus.
O homem, do outro lado, sorria. Esperou novo telefonema, que não houve.
— Que pena... não dá mais tempo...
O homem não estava nervoso. Bateram na porta. Era a vizinha.
— Boa noite, Seu Felinto. Dona Violeta está?
— Foi ao cinema.
— Quando ela chegar o senhor pede pra ela dar uma chegada na minha casa? É urgente.
— Se for possível, ela irá, Dona Lúcia.
Ela saiu. Ele abriu a gaveta e tirou um revólver. Um Smith & Wesson, 38. Verificou se as balas estavam no tambor. Fechou o tambor com cuidado. Espalhou no sofá as fotografias que tinha da mulher com o detetive.
Calmo como nunca, ficou sentado, arma apontada para a entrada. Dez minutos depois a porta foi aberta. Dona Violeta entrava, com um sorriso fingido. Não viu a arma, fechava a porta.
— O filme foi péssimo. Alguma novidade?
— Dona Lúcia quer falar com você, mas eu acho que não vai dar tempo.
A viatura da polícia freou, gritante, na rua. um detetive desceu e entrou correndo no prédio. Também não dava tempo.
Fonte:
Chico Anysio. O Enterro do Anão (contos).
Chico Anysio. O Enterro do Anão (contos).
Publicado em 1973.
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