domingo, 28 de março de 2021

Carolina Ramos (Poemas Escolhidos) 10

PROFECIA

Elo partido... 1970

Muitas vezes te disse - tens lembrança?:
– Muda! por nossos filhos! - E, também,
que a renúncia constante anula, cansa,
quando improfícua… e só de um lado vem.

Lembrei-te (quantas vezes!) é a confiança
base que o templo conjugal sustém.
E estremecia a última esperança
de envelhecermos juntos... mal ou bem!

Cumpriu-se a profecia! O eco ressoa!
Cai o arruinado templo! Embora doa,
nossos elos partiram-se! Defuntos,

os sonhos se perderam no caminho!
Tanta mentira e ausência de carinho,
que ao fim da estrada, não chegamos juntos!
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VERDADE

Todos pensavam que a felicidade
era a bandeira azul que eu conduzia...
Todos pensavam, sim, mas a Verdade,
além mim, somente Deus sabia.

Ninguém sonhava a triste realidade
que em meio à multidão me perseguia;
nem que o sorriso meigo de humildade
era regado em pranto, noite e dia!

Quem poderia crer que a tais extremos
eu chegasse, partindo os frágeis remos
de um destino cruel! Ninguém supunha

que um oceano de lama, tormentoso,
eu banisse de mim... e, em céu calmoso,
fosse viver os sonhos que eu compunha!
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MOMENTO SUPREMO

O amor, esse eterno tema,
nossos sonhos enlaçou
e fez de nós um poema
que a própria vida rimou!

Vem... esquece os receios nos meus braços...
que a vida é curta e o amanhã é incerto!
Deixa que minha mão apague os traços
de angústia, dos teus olhos. Vês? - Bem perto,

escondida entre nuvens, há uma aurora
à espera do momento benfazejo!
Que o céu se expanda... e o sol rebrilhe, agora,
no infinito esplendor do nosso beijo!
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PRESENÇA

Tão feminina e triste, minha amiga,
não queiras, com teu jeito amargo e doce,
instilar-nos no sangue o fel da intriga:
- basta o suplício que este adeus nos trouxe!

Nosso amor é tão grande... não periga!
Ao teste da distância, confirmou-se.
Deixa que a vida sua estrada siga...
Nossa estrada, por ora, bifurcou-se.

Terna, dizes que beijas seus cabelos...
Eu asseguro que não tenho zelos
por estares, fiel, sempre ao seu lado:

- Ora, saudade, não me fazes ciúmes!
- Ao lado dele, minha forma assumes
e, junto a mim, tens o seu rosto amado!
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DISTÂNCIA

Dois corações vazios, sem compasso,
pulsando apenas para não morrer!
Em meio à névoa... o encontro e o brilho escasso,
num milagre de amor a resplender!

Esquecemos de tudo, quando o espaço
nos arrancou da terra, a surpreender!
E, arrebatados por um terno laço,
entre os astros nos fomos esconder!

A girar sob um eixo de amargura,
frente a frente, abraçamos a ventura,
num eclipse total! E o adeus, depois...

Da angústia agora és rei! Sou a rainha!
Eu sou a tua luz!... Tu és a minha...
mas a saudade é sombra entre nós dois!
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VIAGEM DE ESPERANÇA

Peregrino do sonho, o Poeta é um ser errante
no encalço da Verdade. Em eterna procura,
a criar o que não tem, vai seguindo adiante,
sob o impulso do ideal, que abraça com ternura!

Asa aberta à Esperança! Em cada porto, o instante
de anseio e da beleza, onde nada o segura!
Quando tange-lhe a alma um apelo cantante,
ele parte outra vez... em festa, ou em amargura.

O farnel? - Ilusões! O passaporte? - A rima!
As vestes? - Fantasia... e muito Amor por cima!
Embora preso à terra, a um destino tristonho,

O Poeta é livre sempre! É livre de alma inteira!
- É dono do Universo e não teme fronteira,
quem tem o espaço aberto à Nave Azul do Sonho!

Fonte:
Carolina Ramos. Destino: poesias. 
São Paulo: EditorAção, 2011.
Livro enviado pela poetisa.

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