domingo, 13 de março de 2022

Domingos Freire Cardoso (Poemas Escolhidos) VII


HEI DE RENDER-ME DE BRAÇOS LEVANTADOS

(Mário Sousa Ribeiro)

Hei de render-me de braços levantados
Se apontares um beijo ao meu coração
E, algemados, arrastares à prisão
Estes meus olhos puros de amor armados.

Detido entre os teus braços já desfardados
Não irei implorar nada, nem perdão
E só assinarei uma confissão
A de querer os ferros eternizados.

Provo que sou culpado, sim, pela morte
Desses dias de pasmo e sinistra sorte
Que tive antes de tu bem me aprisionares.

Sei que o teu amor me salva e me redime
Mas irei cometer sempre o mesmo crime
Para nunca, nunca mais tu me soltares.
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NADA DE NOVO É NOVO, A PRÓPRIA HISTÓRIA
(Narciso Alves Pires)

Nada de novo é novo, a própria História
Já se repete em ciclos conhecidos
E o poder e os conflitos já vividos
Renascem das profundas da memória.

Deixou a vida de ser aleatória
E a patina cobrindo os tempos idos
Deixa vê-los, de novo, promovidos
A pepitas que brilham entre a escória.

Se tudo se transforma, diz a lei
Que deixada nos foi por Lavoisier
O mundo ao girar outro mundo deu.

Nesse rodar eu nunca saberei
Se existe uma razão e algum porquê
Que me impeça de eu ser um outro eu.
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PREGADOS AOS SILÊNCIOS DAS PAREDES
(Mário Sousa Ribeiro)

Pregados aos silêncios das paredes
Há chapéus em retratos esquecidos
Bengalas e bigodes retorcidos
Luvas sobre anéis ricos que não vedes.

Pestanas por detrás de finas redes
Complementos das rendas dos vestidos
De enlaces e noivados prometidos
Que saciem as mais que humanas sedes.

Crianças rindo em tão ingênuas poses
São cobaias das vis metamorfoses
Que ar sisudo lhes há de conferir.

São os nossos avós, nossos parentes
E se hoje nos achamos diferentes
É porque não sabemos nos despir.
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QUANDO AS LÁGRIMAS CAÍREM DO ROSTO DAS ESTÁTUAS
(Narciso Alves Pires)

Quando as lágrimas caírem do rosto
Sereno das estátuas da mansão
Já o tempo terá feito uma invasão
E os dourados umbrais terá transposto.

Decadente, o jardim esteve exposto
Às ervagens da vil degradação
E o teto, na capela e no salão
Tem as rugas abertas de um desgosto,

De pé inda as estátuas permanecem
Velando o pó e a mágoa que adormecem
Vencidos por tão trágica vigília.

O breu vai caindo sobre a memória
Do que resta de alguma ida glória
Que morreu no brasão desta família.
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SOU UM CANSAÇO QUE FINDOU NO SONO
(Narciso Alves Pires)

Sou um cansaço que findou no sono
Da tarde triste em que morreu o dia
E quando a noite o meu corpo acolhia
O sol desceu do seu dourado trono.

A doce paz nasceu desse abandono
Mistura de mistério e nostalgia
E, aos poucos, o meu ser desfalecia
Como folha que tomba pelo Outono.

A mansidão abraça-se ao sossego
E eu fico numa luz, num aconchego
Como nunca, em meus dias, eu vivi.

O tempo foi passando devagar
E não sendo eu capaz de me acordar
Só então é que eu soube que morri.

Fonte:
Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.
Livro enviado pelo poeta.

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