Clichê é uma construção utilizada à exaustão em determinada cultura, como o desenho do coração ou do cupido. Exatamente por essa repetição, ela é uma construção desgastada, descartável.
Quando se fala de textos criativos, devemos fugir do clichê como se foge de uma praga, pois é a antítese da criatividade; quanto mais um texto for repleto de clichês, menos impactante ele será. E o clichê é mesmo como uma praga que está em nossas frases (“Abriu com chave de ouro”), em nossas metáforas (“coração partido”), em nossas cenas, em nossos personagens, em nosso desfecho.
O problema do clichê é que ele não acrescenta ao leitor. Basta lembrarmos de uma novela da Globo, uma dessas quaisquer, repleta de clichês. Ela pode até nos distrair por algumas horas, mas a esquecemos quase completamente tão logo desligamos a TV (e aquelas que permanecem em nossa memória, como Irmãos Coragem, Pecado Capital, Vale Tudo, é porque souberam inovar e não ficaram apenas repetindo-se em clichês).
Claro que o conceito de clichê varia de acordo com o público para o qual se escreve, pois a experiência de leitura é fundamental para determinar onde começa o clichê. Lembro que nas minhas primeiras oficinas literárias eu ficava muito ansioso com esse conceito, pois tudo o que eu escrevia parecia clichê. Só com o tempo fui perceber que minha experiência de leitura era infinitamente menor que a do professor, então meu primeiro passo foi buscar ler mais e prestar mais a atenção nas minhas leituras.
Também é importante perceber que o clichê por vezes tem sua utilidade, ainda mais se bem dosado. Os textos de entretenimento, por exemplo, se valem muito do clichê, facilitando a compreensão e o acompanhamento pelo leitor.
O clichê também pode ser útil para a comédia, em que situações corriqueiras podem ser levadas ao extremo e provocar riso. Este uso, porém, deve ser intencional e consciente, pois o escritor assumirá também os riscos inerentes ao clichê.
Confira os seis tipos de clichês mais comuns da literatura:
1) Clichê na estrutura narrativa
Nada pior do que uma história que mal começa e nós sabemos como vai terminar. É aquela história de que o mordomo sempre é o culpado ou de que a mocinha pobre sempre vai acabar ficando com o galã rico e solitário na novela das seis.
Quando se escreve com o objetivo de emocionar o leitor, surpreendê-lo, é muito importante fugir dos clichês narrativos, já tão desgastados pelo uso. E tenha cuidado redobrado com o final clichê: dá vontade de chorar quando um ótimo conto de suspense no final o narrador revela que tudo aquilo não passava de um sonho…
2) Clichê no início do texto
Começar um texto é extremamente difícil, e talvez por isso haja alguns começos repetidos à exaustão. O personagem acordar é um dos maiores clichês, especialmente se for cedo e ele for acordado por um despertador. Outro clichê é começar pelo clima: "era uma noite escura e fria"... Lembre-se: o leitor começa a ler seu texto porque você o divulgou bem e tem um bom título, mas ele não continua a ler se o começo for ruim.
3) Metáforas e construções clichês
Aqui estão os clichês mais engraçados e repetidos. "Coração partido", por exemplo. A metáfora até é bonita e razoavelmente precisa, mas de tanto ser usada tornou-se um belo exemplo de clichê. Assim também expressões como "chorou copiosamente", "azul da cor do mar", "linda de morrer"...
4) Cenas clichês
Há algumas cenas que já se tornaram clichês nas narrativas contemporâneas. A maior delas é fumar depois do sexo. Ou o personagem chorar (embora o choro seja importante, não precisa ter alguém chorando em todas as histórias do mundo!). Outra cena que se repete muito é o personagem olhar para alguma fotografia e lembrar de algo. Ou o personagem ir até a janela. Parece que quando o autor não sabe o que fazer com o personagem, leva-o para a janela…
Claro que é nossa experiência de leitura que irá determinar o que soa mais ou menos clichê para nós. Procure, porém, evitar o óbvio, especialmente o péssimo hábito que hoje muitos autores têm de repetir fórmulas consagradas no cinema blockbuster ou nas novelas de televisão.
5) Clichês nos diálogos
O diálogo precisa ser suficiente e necessário para se justificar, então nada de diálogos do tipo "Oi", "Oi", "Tudo bem?", "Tudo", "Calor hoje, né?", "É". O narrador só deve abrir espaço para as personagens quando a fala delas for essencial. A não ser, é claro, que esses clichês ditos pelas personagens sejam importantes para a narrativa, demonstrem, por exemplo, a insegurança dos dois.
6) Clichês na pontuação
Há dois sinais que são muito importantes, mas não devem ser usados com exagero sob pena de descambarem para o clichê. Trata-se da exclamação e das reticências. A rigor, quase todas as frases em literatura têm algo além do que está escrito, então não precisa terminar todas as frases com três pontinhos! Quanto à exclamação, que acabei de usar, guarde-o para momentos em que a personagem realmente esteja dando ênfase, e não a cada frase afirmativa, pois isso faz com que perca a força quando utilizado.
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trecho do livro Escrita Criativa para Iniciantes, de Marcelo Spalding
Escrita Criativa para iniciantes é um livro para autores e leitores, amantes de literatura, cinema, quadrinhos, teatro. Com capítulos sobre qualidades e defeitos do texto criativo, figuras de linguagem, narrativa e universo ficcional, tempo e espaço, personagens, diálogos e construção de cenas, é um livro didático e completo para aqueles que são ou se sentem como iniciantes.
Capítulos extras:
• Dicas para publicar um livro
• Literatura Digital
• Escrita Criativa na sala de aula
Quando se fala de textos criativos, devemos fugir do clichê como se foge de uma praga, pois é a antítese da criatividade; quanto mais um texto for repleto de clichês, menos impactante ele será. E o clichê é mesmo como uma praga que está em nossas frases (“Abriu com chave de ouro”), em nossas metáforas (“coração partido”), em nossas cenas, em nossos personagens, em nosso desfecho.
O problema do clichê é que ele não acrescenta ao leitor. Basta lembrarmos de uma novela da Globo, uma dessas quaisquer, repleta de clichês. Ela pode até nos distrair por algumas horas, mas a esquecemos quase completamente tão logo desligamos a TV (e aquelas que permanecem em nossa memória, como Irmãos Coragem, Pecado Capital, Vale Tudo, é porque souberam inovar e não ficaram apenas repetindo-se em clichês).
Claro que o conceito de clichê varia de acordo com o público para o qual se escreve, pois a experiência de leitura é fundamental para determinar onde começa o clichê. Lembro que nas minhas primeiras oficinas literárias eu ficava muito ansioso com esse conceito, pois tudo o que eu escrevia parecia clichê. Só com o tempo fui perceber que minha experiência de leitura era infinitamente menor que a do professor, então meu primeiro passo foi buscar ler mais e prestar mais a atenção nas minhas leituras.
Também é importante perceber que o clichê por vezes tem sua utilidade, ainda mais se bem dosado. Os textos de entretenimento, por exemplo, se valem muito do clichê, facilitando a compreensão e o acompanhamento pelo leitor.
O clichê também pode ser útil para a comédia, em que situações corriqueiras podem ser levadas ao extremo e provocar riso. Este uso, porém, deve ser intencional e consciente, pois o escritor assumirá também os riscos inerentes ao clichê.
Confira os seis tipos de clichês mais comuns da literatura:
1) Clichê na estrutura narrativa
Nada pior do que uma história que mal começa e nós sabemos como vai terminar. É aquela história de que o mordomo sempre é o culpado ou de que a mocinha pobre sempre vai acabar ficando com o galã rico e solitário na novela das seis.
Quando se escreve com o objetivo de emocionar o leitor, surpreendê-lo, é muito importante fugir dos clichês narrativos, já tão desgastados pelo uso. E tenha cuidado redobrado com o final clichê: dá vontade de chorar quando um ótimo conto de suspense no final o narrador revela que tudo aquilo não passava de um sonho…
2) Clichê no início do texto
Começar um texto é extremamente difícil, e talvez por isso haja alguns começos repetidos à exaustão. O personagem acordar é um dos maiores clichês, especialmente se for cedo e ele for acordado por um despertador. Outro clichê é começar pelo clima: "era uma noite escura e fria"... Lembre-se: o leitor começa a ler seu texto porque você o divulgou bem e tem um bom título, mas ele não continua a ler se o começo for ruim.
3) Metáforas e construções clichês
Aqui estão os clichês mais engraçados e repetidos. "Coração partido", por exemplo. A metáfora até é bonita e razoavelmente precisa, mas de tanto ser usada tornou-se um belo exemplo de clichê. Assim também expressões como "chorou copiosamente", "azul da cor do mar", "linda de morrer"...
4) Cenas clichês
Há algumas cenas que já se tornaram clichês nas narrativas contemporâneas. A maior delas é fumar depois do sexo. Ou o personagem chorar (embora o choro seja importante, não precisa ter alguém chorando em todas as histórias do mundo!). Outra cena que se repete muito é o personagem olhar para alguma fotografia e lembrar de algo. Ou o personagem ir até a janela. Parece que quando o autor não sabe o que fazer com o personagem, leva-o para a janela…
Claro que é nossa experiência de leitura que irá determinar o que soa mais ou menos clichê para nós. Procure, porém, evitar o óbvio, especialmente o péssimo hábito que hoje muitos autores têm de repetir fórmulas consagradas no cinema blockbuster ou nas novelas de televisão.
5) Clichês nos diálogos
O diálogo precisa ser suficiente e necessário para se justificar, então nada de diálogos do tipo "Oi", "Oi", "Tudo bem?", "Tudo", "Calor hoje, né?", "É". O narrador só deve abrir espaço para as personagens quando a fala delas for essencial. A não ser, é claro, que esses clichês ditos pelas personagens sejam importantes para a narrativa, demonstrem, por exemplo, a insegurança dos dois.
6) Clichês na pontuação
Há dois sinais que são muito importantes, mas não devem ser usados com exagero sob pena de descambarem para o clichê. Trata-se da exclamação e das reticências. A rigor, quase todas as frases em literatura têm algo além do que está escrito, então não precisa terminar todas as frases com três pontinhos! Quanto à exclamação, que acabei de usar, guarde-o para momentos em que a personagem realmente esteja dando ênfase, e não a cada frase afirmativa, pois isso faz com que perca a força quando utilizado.
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trecho do livro Escrita Criativa para Iniciantes, de Marcelo Spalding
Escrita Criativa para iniciantes é um livro para autores e leitores, amantes de literatura, cinema, quadrinhos, teatro. Com capítulos sobre qualidades e defeitos do texto criativo, figuras de linguagem, narrativa e universo ficcional, tempo e espaço, personagens, diálogos e construção de cenas, é um livro didático e completo para aqueles que são ou se sentem como iniciantes.
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• Dicas para publicar um livro
• Literatura Digital
• Escrita Criativa na sala de aula
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