segunda-feira, 14 de março de 2022

Contos e Lendas do Mundo (Irlanda: O campo do Leprechaun*)

No dia de Nossa Senhora da Colheita, como todos sabem ser um dos melhores feriados do ano, Tom Fitzpatrick estava passeando em um lado ensolarado de uma cerca viva quando, de repente, ouviu uma espécie de estalido soar perto dele, na sebe.

– Caramba, – disse Tom – não é nada comum ouvir sabiás cantando no fim da estação!

Então, Tom se aproximou na ponta dos pés para descobrir a origem daquele barulho e para saber se o seu palpite estava correto. O ruído parou, mas quando Tom olhou atentamente através dos arbustos, ele viu no canto da cerca um jarro marrom, que devia ter um galão e meio de bebida alcoólica. Ali, um velhinho bem pequenininho usando um pequeno chapéu tricórnio mosqueado e um aventalzinho de couro que cobria a frente do corpo puxou um banquinho de madeira e subiu nele, mergulhou uma caneca no jarro e a retirou cheia de bebida. Depois ele se sentou ao pé do jarro e começou a trabalhar, pregando o calcanhar de um sapato de couro feito sob medida para ele.

– Ora, por todos os poderes! – exclamou Tom consigo – Sempre ouvi falar dos leprechauns e, para dizer a verdade, nunca acreditei que existissem, mas sem sombra de dúvida aqui está um deles. Se eu agir com cautela, serei um homem feito! Dizem que nunca se deve tirar os olhos deles, senão escapam.

Tom se aproximou um pouco mais, com os olhos fixos no homenzinho, como um gato faz com um rato. Então, quando chegou bem perto, o cumprimentou:

– Deus abençoe o seu trabalho, vizinho!

O homenzinho levantou a cabeça e falou:

– Meu obrigado sincero.

– Estou surpreso que esteja trabalhando no feriado! – exclamou Tom.

– Isso é problema meu, e não seu! – foi a resposta.

– Bem, você faria a gentileza de me contar o que tem aí dentro do jarro? – perguntou Tom.

– Conto com muito prazer. – disse ele – É uma boa cerveja.

– Cerveja! – exclamou Tom – Pelo fogo e o trovão! Onde você conseguiu essa cerveja?

– Onde eu consegui a cerveja? Ué, fui eu que fiz. Vamos ver se adivinha do que é feita.

– Mas só o diabo pode saber! – reclamou Tom – Aposto que é de malte. Do que mais seria?

– Então errou. É cerveja de urzes.

– De urzes! – Tom desatou a rir. – Você me acha tão idiota a ponto de acreditar nisso?

– Acredite se quiser, – disse o leprechaun – mas é a verdade. Você nunca ouviu falar dos dinamarqueses?

– O que têm os dinamarqueses? – perguntou Tom.

– Ora, tudo o que se sabe é que, quando eles estiveram por aqui, nos ensinaram a fazer cerveja de urzes, e o segredo está na minha família desde então.

– E você vai me deixar experimentar essa cerveja? – perguntou Tom.

– Vou lhe dizer uma coisa, meu jovem, você faria melhor indo cuidar da propriedade de seu pai do que incomodar pessoas pacatas e decentes com suas perguntas tolas. Pois, veja bem, enquanto você está perdendo seu tempo aqui, suas vacas invadiram a plantação de aveia e estão pisoteando o milharal.

Tom ficou tão surpreso com isso que esteve a ponto de dar meia-volta e correr, mas se conteve.

Temendo que isso pudesse acontecer de novo, ele agarrou o leprechaun com a mão, no entanto o movimento brusco derrubou o jarro e derramou toda a cerveja, assim ele perdeu a chance de prová-la para saber de que tipo era. Então jurou ao leprechaun que o mataria se não mostrasse onde estava o dinheiro. Tom parecia tão perverso e obstinado que o homenzinho ficou bastante assustado.

O leprechaun falou:

– Venha comigo para os campos adiante que eu lhe mostrarei um pote de ouro lá.

Assim foram. Tom segurou o leprechaun com firmeza e não tirou os olhos de cima dele, embora tivessem que atravessar sebes, valas e um trecho tortuoso de brejo, até que finalmente chegaram a um grande campo coberto de tasneiras, e o leprechaun apontou para moita e disse:

– Cave debaixo dessa tasneira e você obterá um grande pote cheio de moedas de ouro.

Na sua pressa, Tom não pensara em trazer uma pá consigo, então decidiu correr para casa e buscar uma. Mas, para que pudesse reconhecer o lugar exato, tirou uma liga de suas meias vermelhas e amarrou ao redor da tasneira. Então, disse ao leprechaun:

– Prometa que não vai tirar essa liga daí.

E o leprechaun jurou imediatamente que não tocaria nela.

– Suponho – o leprechaum falou de um jeito muito civilizado – que você não precisa mais dos meus préstimos.

– Não. – respondeu Tom – Você pode ir embora agora, se quiser. Vá com Deus e que a sorte o acompanhe para onde for!

– Bem, adeus, Tom Fitzpatrick, – disse o leprechaun – e desejo que o dinheiro lhe seja muito útil quando você o encontrar.

Tom correu como se sua vida dependesse disso, voltou para casa, pegou uma pá, e então saiu com ela e correu o mais rápido que pôde de volta ao campo de tasneiras. Entretanto, quando ele chegou lá, vejam só! Não havia nem uma tasneira sequer ostentando uma liga vermelha como aquela que ele havia amarrado, e cavar o campo de tasneiras inteiro seria um disparate, pois o campo tinha mais de quarenta acres irlandeses (107 mil metros quadrados). Então Tom voltou para casa com a pá no ombro, um pouco mais desanimado, e foram raivosas e numerosas as maldições que ele rogou sobre o leprechaun toda vez que se lembrava de como ele havia lhe dado essa bela rasteira.
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*Com barba ruiva e vestido de verde, o Leprechaun é um duende que vive na floresta e encanta gerações com suas promessas de ouro. Considerados guardiões ou conhecedores da localização de vários tesouros escondidos, a lenda também diz que ele é o sapateiro do povo das fadas.

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