sexta-feira, 4 de março de 2022

Minha Estante de Livros (“Suave é a Noite”, de F. Scott Fitzgerald)


Sua ingenuidade se sentia atraída pela custosa simplicidade dos Diver, sem perceber que nela havia complexidade e falta de inocência, sem ver que eles se preocupavam mais com qualidade do que com quantidade. Assim também a naturalidade de comportamento, a paz e a boa vontade, a ênfase dada às virtudes mais singelas, tudo isso fazia parte de um desesperado acordo com os deuses e fora atingido à custa de lutas incalculáveis.” (FITZGERALD, 2010, pag. 43).


Dick Diver é um brilhante psiquiatra que, ao ser chamado para um caso, apaixona-se pela paciente. Com o casamento, o estilo de vida que os dois adotam passam a ser financiado pelo dinheiro de Nicole e aos poucos Dick abandona a psiquiatria. Apesar do dinheiro, dos belos lugares e das inúmeras festas, o casal não é feliz e sua vida é tediosa.

Ambientado na década de 20 e dividido em três partes, “Suave é a Noite” começa lento, para não dizer entediante. Dick e Nicole vivem uma vida vazia na Riviera Francesa quando em suas vidas surge a jovem atriz Rosemary que se apaixona por Dick e, eventualmente, é correspondida. Esses capítulos, porém, são monótonos e os personagens não cativam (o que talvez mostre como eles se sentem em relação à vida).

Já na segunda parte do livro a mudança é palpável. O autor brinca com a linha temporal e dedica alguns capítulos centrais à época em que Dick e Nicole se conheceram – a época de ouro da carreira dele e o auge da doença dela no hospital psiquiátrico. Nas primeiras linhas já é possível perceber que aquelas pessoas que vínhamos acompanhando eram outras pessoas em outra fase de suas vidas e que o casamento foi um marco da mudança (uma característica que lembra obras do Realismo, por exemplo, “Madame Bovary”). Ali, podemos ver um Dick vibrante, uma pessoa cheia de planos e sonhos - a quem todos gostavam pelo que de fato era e não pelo que tentava ser - e detentora do domínio de sua própria vida.

Voltando ao presente, acompanhamos o desgaste da relação do casal e a decadência de Dick que, aos poucos, se entrega ao alcoolismo. “Suave é a Noite” é considerada a obra mais autobiográfica de Fitzgerald e o alcoolismo de Dick é um reflexo do alcoolismo do autor, enquanto a esquizofrenia de Nicole é um reflexo da de Zelda, sua esposa. Não só esses, mas outros aspectos da trama foram inspirados em acontecimentos da vida do casal.

É interessante a inversão de papeis que ocorre aos poucos. Enquanto Dick vai se reduzindo a um fragmento do homem que era, Nicole, por sua vez, que a principio depende dele para se curar – primeiro como médico, depois como marido - aos poucos se livra dessa dependência e encontra seu próprio rumo.

Com uma recepção morna na época do seu lançamento (já que histórias da Era do Jazz já estavam defasadas nos anos que se seguiram à crise da bolsa de valores) “Suave é a Noite” era considerado por Fitzgerald sua melhor obra e foi o último livro que o autor finalizou (na ocasião de sua morte trabalhava em “O Último Magnata”).

Fonte:
Mariana Fontana Szewkies, in Além da Contra Capa. 11 agosto 2016.

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