ASSIM EM SUAS MÃOS NOS TROCA A VIDA
(Sophia de Mello Breyner Andresen in "Mar novo")
Assim, em suas mãos nos troca a vida
As sendas que escolhemos percorrer
Só porque ela quer, pode e tem prazer
Em ver a nossa sorte confundida.
Não vale a pena a um sonho dar guarida
Por no peito um desejo de viver
Que a vida tem o modo e o poder
De nos abrir na alma uma ferida.
Impotentes ficamos para dar
Outros rumos ao nosso caminhar
Sujeitos aos caprichos do destino.
Aos ombros carregando cruz tão má
Indo o Homem, por onde quer que vá
Será sempre um eterno peregrino.
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BUSCANDO A LUZ DA MADRUGADA PURA
(Sophia de Mello Breyner Andresen in "Mar novo")
Buscando a luz da madrugada pura
Vou perseguindo o rasto desta aurora
Do sol, o raio primo não demora
A dividir em duas a planura.
O sol, quebrando a noturna clausura
Nos montes crava a ardente e rubra espora
E queima o céu e traz a fúlvida hora
Em que a anemia desce à sepultura.
Pleno, sento-me à beira do crepúsculo
Saboreando o dom de ser minúsculo
Mas peça deste mundo singular.
Desponta a branca lua, como gesso
E eu cerro os olhos lassos e adormeço
À espera já de um novo despertar.
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NÃO HÁ DISTÂNCIA ENTRE UM NADA E UM NADA
(Narciso Alves Pires in "Para Além do Adeus")
Não há distância entre um nada e outro nada
Já que todos os nadas são iguais
Mas o nada que dizes me dói mais
Do que a mágoa que fosse a mais pesada,
Já sei que a minha sorte foi traçada
Para morar num barco preso ao cais
Sem provar o mar chão e os temporais
E não tive, sequer, uma largada.
Ê tudo igual nos tempos que medeiam
As horas destes dias que semeiam
No meu peito uma ausência de porto.
Confinado ao tão pouco que hoje sou
Fico aqui, sei que não chego nem vou
No ponto de partida eu já estou morto.
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NUNCA A CASA FICOU SÓ DE TÃO VAZIA
(Rui Balsemâd da Silva in "Meu grito meu canto")
Nunca a casa ficou só de tão vazia
Como nesse dia trinta de Agosto
Quando os olhos te fechei, e o teu rosto
Ficou da mesma cor da cama fria.
A tua alma pura é que aquecia
Esta tua casa onde tinhas posto
Coisas poucas, pequenas, mas com gosto
Com esse amor que à vida te prendia.
Mas da vida, sem ódios, te esvaíste
E nesse dia negro tu partiste
Para onde pertencias; o Além.
Regressaste ao lugar de onde vieste
E já que aos outros tudo de ti deste
Daqui nada levaste, ó minha Mãe!
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ONDE SÓ HAJA ESPUMA SAL E VENTO
(Sophia de Mello Breyner Andresen in "Mar novo")
Onde só haja espuma, sal e vento
Irei plantar o germe da Poesia
Deixando que ela cure essa anemia
Que mói lugar tão ermo e avarento.
Por efeito do lírico fermento
Que a pobreza do chão e ar vencia
O verso cometeu a ousadia
De florir onde não havia alento.
A frase tudo vence quando prima
Pela pujança forte dessa rima
Que é gerada na verve de um poeta.
E o poema faz-se arma de batalha
Que peleja no chão por onde espalha
O Belo que na alma se arquiteta.
Fonte:
Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.
Livro enviado pelo poeta.
Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.
Livro enviado pelo poeta.
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