terça-feira, 22 de março de 2022

Laurindo Rabelo (Estragos de Amor) Parte final

XII
Das ruínas levantado,
Vê-se o espírito surgir;
Vem com passo fatigado,
Como guerreiro cansado,
À sua sombra dormir.

XIII
Presto acorda, e então, cedendo
Da fome aos cruéis assomos,
Alguns ramos segurando,
Vai colhendo, e vai tragando
Os amargos negros pomos.

XIV
Comeu, ergueu-se, é já outro!
Foi-se do rosto a meiguice!
Do tronco um ramo quebrado
Serve ao triste de cajado —
Eis a imagem da velhice.

XV
Está tudo terminado!
Está completa a sentença!
Aos fogos sucedem gelos,
Que anunciam nos cabelos
A idade da indiferença!

XVI
Lá vai o velho mesquinho,
Lá vai desacompanhado,
O caminho da existência,
Nutrido pela exp’riência,
Ao desengano arrimado.

XVII
Só seus pés tocam a terra,
Os olhos do céu na luz,
Entregue a culto profundo,
Lá vai, fugindo do mundo,
Cair nos braços da Cruz.

XVIII
Lá expira... mas dizei-lhe —
Amor! Vereis num transporte
Como seus olhos cintilam,
Como a um tempo se aniquilam
Todas as forças da morte!!...

XIX
É que amor inexorável
Nos seus planos iracundos,
Se os mortais torna cativos,
Nem minora o mal dos vivos,
Nem respeita os moribundos.

XX
Restaura as forças da vida,
Não nos consente morrer;
Porque lá nas sepulturas
Seus tormentos e torturas
Não se pode padecer.

XXI
Envenenados farpões
Nos manda em suspiros ternos;
Cinge aos olhos mago véu,
E pelos jardins do céu
Nos encaminha ao inferno.

XXII
Fugi, humanos!... fugi
De seu veneno traidor!
Sem culto, desamparados,
Sumam-se, ao tempo votados,
Altares, templos de Amor...

Fonte:
Laurindo Rabelo. Poesias completas. Ministério Da Cultura. Fundação Biblioteca Nacional

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