Entrou ventando fúria por todos os poros. Calma, por favor. Sente-se, tome um copo d’água e respire fundo. Tinha ido deixar os meninos lá onde Judas perdeu as botas. Os dois, o rapaz e a moça. Endereços diferentes. Complicam tudo neste país. Num curral, o rebanho das exatas. No outro, o das humanas. Ou sabe lá como se chamam agora. Dois vestibulandos. Depois que inventaram esse teste vocacional, ninguém sabe mais o que quer.
O que quer ser quando crescer. Só que já cresceram, os madraços. Ele está atrasado de pelo menos dois anos. Ela, de um e tanto. Você sabe (sim, eu sei) quanto se empenha na educação desses meninos. Podia ter mandado de táxi, ou chamado o chofer. Depois de uma semana dura, fez questão de se encarregar de tudo. Acordou antes do sol. Supervisionou o desjejum. Só faltou estudar linha por linha, algarismo por algarismo. Uma barbada.
E assim chegou ao primeiro ponto. Esse vestibular é uma vergonha. No meu tempo, nem exame de admissão ao ginásio era tão fácil. E a gente fazia antes dos 11 anos de idade. Olhe aqui as perguntas de história do Brasil. Cinco opções. O mais rematado cretino, cego, surdo, mudo e já defunto, acerta na mosca. Veja o que chamam de matemática. O caixeiro da padaria é um Einstein, sem essa maquininha de esvaziar cabeça. Pois bem. Os dois se viram no maior aperto.
Foi um custo conter na poltrona o pai furibundo. Jurei que o filho não é nenhum débil mental. Vai ver que passa. E acaba um bom administrador de empresa. Aí toca o negócio da família. Então por que o cretino cismou de ser músico? Se ao menos tivesse talento! A menina é uma tonta. Ainda bem que saiu de moda a tal de psicologia. Olhar vago, fala em informática. E toda sua filosofia consiste na obsessão da dieta. Sabe o que queria fazer? Adiar a prova por causa do horóscopo. Do horóscopo!
Mais calmo, aceitou o drink e me perguntou pelo verbo “haver” na forma impessoal. Ainda ontem, ouvi um deputado dizer que “houveram” várias versões. Hoje ouvi por duas vezes “a” moral da equipe. Controle remoto na mão, clique, e na tela a bruta crase ? de sexta “à” domingo. Assim vai o mundo, meu caro. Eu sou uma besta diante de um computador. Mas ele não se conforma. Esqueceram o esforço pessoal, brada. Ninguém se aplica. A propósito, onde foi o vestibular do Machado de Assis?
Fonte:
Jornal Folha de São Paulo. São Paulo: 25 nov. 1992.
Jornal Folha de São Paulo. São Paulo: 25 nov. 1992.
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