Ponta Delgada/Portugal, 1842 – 1891
INTIMIDADE
Quando, sorrindo, vais passando, e toda
Essa gente te mira cobiçosa,
És bela - e se te não comparo à rosa,
É que a rosa, bem vês, passou de moda...
Anda-me às vezes a cabeça à roda,
Atrás de ti também, flor caprichosa!
Nem pode haver, na multidão ruidosa,
Coisa mais linda, mais absurda e doida.
Mas é na intimidade e no segredo,
Quando tu coras e sorris a medo,
Que me apraz ver-te e que te adoro, flor!
E não te quero nunca tanto (ouve isto)
Como quando por ti, por mim, por Cristo,
Juras - mentindo - que me tens amor…
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Camilo Pessanha
Coimbra, 1867 – 1926, Macau
CAMINHO I
Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...
Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...
Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,
Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.
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Fernando Pessoa
Lisboa, 1888 – 1935
AH UM SONETO!!!
Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...
No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.
Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.
Mas - esta é boa! - era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?…
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Pero de Andrade Caminha
Porto, 1520 – 1589, Vila Viçosa
Soneto I
De Amor escrevo, de Amor falo e canto;
E se minha voz fosse igual ao que amo,
Esperara eu sentir na que em vão chamo
Piedade, e na gente dor e espanto.
Mas não há pena, ou língua, ou voz, ou canto
Que mostre o amor por que eu tudo desamo,
Nem o vivo fogo em que me sempre inflamo,
Nem de meus olhos o contínuo pranto.
Assim me vou morrendo, sem ser crida
A causa por que em vão mouro contente,
Nem sei se isto que passo é vida ou morte.
Mas inda da que eu amo fosse ouvida
E crida minha voz, e da vã gente
Nunca entendida fosse minha sorte!
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Sá de Miranda
Coimbra, 1481 – 1558, Amares
SONETO
Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho,
e vejo o que não vi nunca, nem cri
que houvesse cá, recolhe-se a alma a si
e vou tresvariando, como em sonho.
Isto passado, quando me desponho,
e me quero afirmar se foi assí,
pasmado e duvidoso do que vi,
m'espanto às vezes, outras m'avergonho.
Que, tornando ante vós, senhora, tal,
Quando me era mister tanta outra ajuda,
de que me valerei, se alma não val'*?
Esperando por ela que me acuda,
e não me acode, e está cuidando em al**,
afronta o coração, a língua é muda.
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* val’: vale
** al: algo, outra coisa
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Vasco Mouzinho de Quevedo
Setúbal, 1570 – 1650
SONETO XXV
Do bravo mar onde às voltas ando
Ora temendo as ondas, ora o vento,
Na esperança maior de salvamento,
A minha barca vai à costa dando.
Pus os olhos na costa, imaginando
Achar remanso de perigo isento,
Vendo, porém, frustrado o pensamento,
Louvo o mar já demais seguro e brando.
Ai fementido amor, amor tirano,
Que onde minha esperança tinha posta
Me trouxeste a fazer naufrágio amargo.
Porém ainda comigo foste humano,
Que mais quero perder-me dando à costa,
Que andar com mil temores em mar largo.
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