segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Carlos Drummond de Andrade (A Mãe e o Fogão)


O Dia das Mães já passou, para sossego delas e nosso, mas algumas estão resolvendo, nesta semana, problemas resultantes da extraordinária concentração de afeto que se operou no segundo (e azul) domingo de maio de 1961.

Umas tantas repousam das manifestações coletivas e entusiásticas que receberam, não na qualidade geral de mães, mas na específica de mães de autoridades. Se amanhã o desfavor público envolver essas autoridades, é de desejar que não atinja suas venerandas genitoras, vítimas de tais homenagens.

Outras, entre beijos, receberam presentes pouco adequados, objetos de uso que não gostariam de usar, mas usarão assim mesmo, porque mãe é sempre mãe, não desaponta filho.

Os garotos de Dona Esmeralda é que foram mais previdentes do que muito filho marmanjo. Reunidos em assembléia, discutiram a dádiva a oferecer, e chegaram à conclusão de que seria ideal um vestido de inverno, com os complementos. Nenhum deles está em idade de escolher tecidos, bolsa, luvas e sapatos; mas confiar a tarefa a terceiros, não. "Damos o dinheiro e mamãe compra a seu gosto": combinado.

Como o dinheiro não chegasse, recorreram ao pai. Assim, Dona Esmeralda recebeu de véspera, num envelope, quinze abobrinhas, que não dariam para uma toalete digna do grill do Copa, mas sempre podem produzir algo de elegante. Ela chorou e sorriu e chorou outra vez de emoção pelo carinho da meninada.

Quis logo retribuir-lhes a gentileza com um bolo de chocolate com frutas, mas o fogão - um caso sério, sempre em conserto-se recusou a cooperar. Por mais que lhe explicasse que era um serviço sentimental e urgente, Dona Esmeralda não obteve dele nenhuma dessas provas de consideração e camaradagem que até os fogões velhos costumam dar às mães amorosas. Então ela não teve dúvida: num impulso verdadeiramente materno, trocou logo o vestido futuro por um fogão novo, comprado na loja mais próxima. Para inteirar, deu mais três mil cruzeiros de suas economias, que ela não é de crediário. Recomendou que o fogão fosse entregue na hora, e a instalação feita imediatamente. O vestido ficava para mais tarde, a ser ganho num possível "Dia da Esposa", que vem aí. Os filhos não podiam ficar sentidos: tinham dado um presente útil, é tão bom um presente útil.

De volta à casa, feliz, telefonou para a amiga mais chegada, contando-lhe a compra (se um dos prazeres femininos é comprar, até mesmo um fogão, outro é contar que comprou) . A amiga interrompeu-a:

- Mas que idéia essa de comprar fogão novo se o velho ainda serve?

- Serve nada. Acendi o gás e ele não funcionou.

- E como você queria que ele funcionasse, filha, se não houve gás esta manhã?

Ao terminar a conversa, a turma de instalação já havia desligado o fogão velho e ia ligar o fogão novo. Dona Esmeralda mandou parar o serviço e correu à loja para desfazer a transação. Negociações prosseguem, laboriosas. Não houve bolo de chocolate com frutas.

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