sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Sítio do Picapau Amarelo VII – O Assalto


Nisto o mato farfalhou à beira da estrada. Os cavalinhos se assustaram e empinaram.

— A quadrilha Chupa-Ovo! — gritou Emília aterrorizada, erguendo os braços como no cinema. Narizinho também empalideceu e procurou instintivamente agarrar-se ao marquês de Rabicó. Mas o marquês já havia pulado no chão e sumido...

— A bolsa ou a vida! — intimou o chefe da quadrilha apontando o trabuco.

Narizinho a tremer, olhou para ele e franziu a testa. “Eu conheço esta cara!” — pensou consigo. “É Tom Mix, o grande herói do cinema!... Mas quem havia de dizer que esse famoso cowboy tão simpático, havia de acabar assim, feito chefe duma quadrilha de lagartos?...”

— A bolsa ou a vida! — repetiu Tom Mix, carrancudo.

— Bolsa não temos, senhor Tom Mix — disse a menina – mas tenho aqui uns bolinhos muito gostosos. Aceita um?

O bandido tomou um bolo e provou.

— Não gosto de bolo amanhecido! — respondeu cuspindo de lado. Quero ouro de verdade!

Assim que ele falou em ouro, Narizinho teve uma idéia de gênio.

— Perfeitamente, senhor Tom Mix. Vou dar-lhe um montinho de ouro puro, do bem amarelo. Mas há de prometer-me uma porção de coisas...

— Prometo tudo quanto quiser — retrucou o bandido, já mais amável com a idéia do montinho de ouro.

— Então passe para cá o seu alforje e mais uma tesourinha.

Sem nada compreender daquilo, Tom Mix foi dando o que ela pedia. Narizinho, então, chamou Emília de parte e cochichou-lhe ao ouvido qualquer coisa. A boneca não gostou, pois bateu o pé, exclamando:

— Nunca! Antes morrer!...

Tanto Narizinho insistiu, porém, que Emília acabou cedendo, entre soluços e suspiros de desespero. Depois, erguendo a saia até os joelhos, espichou uma das pernas sobre o colo da menina. Esta, muito séria, como quem faz operação da mais alta importância, desfez-lhe a costura da barriga da perna e despejou toda a macela do recheio no alforje de Tom Mix. Em seguida ergueu-se e disse-lhe:

— Aqui tem o seu alforje cheio de ouro-macela!

— Muito bem — respondeu o bandido com os olhos a faiscarem de cobiça. — A menina está agora livre e tem em mim de hoje em diante o mais dedicado servidor. Nos momentos de perigo basta gritar; “Mix, Mix, Mix!” que aparecerei incontinenti para salvá-la.

Cumprimentou-a com o chapelão de abas largas e retirou-se, seguido dos seus lagartos.

Ao vê-los sumirem-se ao longe, Narizinho criou alma nova.

— Ufa! — exclamou. — Escapamos de boa! Continuemos a nossa viagem, Emília — e tratou de montar novamente. Um, dois, três — upa! Montou. Emília também — um, dois, três... e nada! Não conseguiu montar.

— Ai! — gemeu sacudindo a perninha saqueada. — Não posso andar, nem montar com esta perna vazia!...

Apesar do triste da situação, Narizinho espremeu uma risadinha.

— Malvada! — exclamou Emília chorosa. — Salvei-a da morte à custa da minha pobre perna e em paga você ri-se de mim...

— Perdoe, Emília! Reconheço que me salvou, mas se soubesse como está cômica com essa perna vazia... O melhor é vir comigo na garupa do pangaré, bem agarradinha. Dê cá a mão. Upa!

Com alguma dificuldade conseguiu acomodá-la na garupa do cavalinho, recomendando-lhe que se segurasse muito bem, pois tinha de ir a galope.

— Sossegue, Narizinho, que daqui nem torquês me arranca! — respondeu Emília. A menina estalou o chicote e o pangaré partiu na galopada erguendo nuvens de pó — pá-lá-lá, pá-lá-lá! De repente:

— Que fim levou o marquês? — interrogou Emília olhando para trás.

Narizinho deteve o cavalo.

— É verdade!... Aquele poltrão comportou-se de tal maneira que a coisa não pode ficar assim. Hei de vingar-me — e é já, quer ver?

Voltando-se para o mato gritou: “Mix, Mix, Mix!”

Imediatamente Tom Mix surgiu diante dela.

— Amigo Tom Mix — disse Narizinho — fui covardemente traída pelo senhor marquês de Rabicó, um poltrão que ao ver-nos em perigo só cuidou de si, fugindo com quantas pernas tinha. Quero ser vingada sem demora, está entendendo?

— Sereis vingada, ó gentil princesa! — disse Tom Mix estendendo a mão como quem faz um juramento. — Mas de que forma quereis ser vingada, ó gentil princesa?

Narizinho respondeu depois de pensar alguns instantes :

— Minha vingança tem de ser esta: quero amanhã ao almoço comer virado de feijão com torresmo, mas torresmo de marquês, está ouvindo?

— Vossa vontade será satisfeita, ó gentil princesa! — disse o bandido, curvando-se com a mão no peito e desaparecendo.

— Coitado do Rabicó! — exclamou Emília compungida.

— Coitado nada! Rabicó precisa levar uma boa esfrega. Dou-lhe uma lição que vai servir para toda a vida. Nunca mais cairá noutra...
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Continua... Tom, Mix

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

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