
Eram sete leitõezinhos. Bem sei que sete é conta de mentiroso, mas eram mesmo sete, todos ruivos, com manchas brancas pelo corpo. Quando a mamãe deles saía a passeio, os sete leitõezinhos acompanhavam-na em fila — rom, rom, rom...
O tempo foi passando e os leitões foram crescendo, e à medida que iam crescendo iam entrando...
— Para a escola, já sei!
— Sim, para a escola do forno.
— Que horror!
— Pois é verdade. Vida de leitão no sítio do Pica-pau Amarelo não é das mais invejáveis. Está o lindo animalzinho brincando no terreiro, feliz, gordo como uma bola. Dona Benta olha e diz:
— Tia Nastácia, a prima Dodoca vem jantar hoje aqui. Acho bom pegar “aquele um”! e aponta para o coitado.
A negra vai ao paiol, toma uma espiga de milho e grita no terreiro — xuque, xuque, xuque!
Os bobinhos ouvem e vêm correndo atrás do milho que ela começa a debulhar, e comem, comem, comem. De repente a malvada se abaixa e — nhoc! segura pela perna o tal “aquele um”. E pode o coitadinho espernear e berrar quanto queira! Não tem remédio. Vai arrastado para a cozinha, onde é assassinado com uma faca de ponta.
E se fosse só isso! Depois de assassinado é pelado com água fervendo, é destripado, temperado e, afinal, assado ao forno.

Todos tratam mas é de cortar o seu pedaço e comê-lo gulosamente, dizendo:
— “Está delicioso!”.
E ainda por cima lambem os beiços, os malvados!... Foi esse o triste destino daquela irmandade de sete leitões. Da irmandade inteira menos um, o Rabicó, assim chamado porque só possuía um toquinho de cauda. Rabicó salvou-se porque Narizinho costumava brincar com ele desde bem pequenino e acabaram amigos.
— Fique sossegado que não deixo “ela” te assassinar, tinha-lhe dito a menina. “Ela”, sem mais nada, queria dizer tia Nastácia.
Uma tarde Narizinho ouviu dona Benta dizer à preta:
— Amanhã, dia dos anos de Pedrinho, temos de dar um jantar melhor. Há ainda algum leitão no ponto?
— Só Rabicó, sinhá, mas esse Narizinho não quer que mate. É o ai Jesus dela.
— Sim, mas você dá um jeito. Mata escondido, sabe — e piscou para a negra. As duas velhas eram danadas para se entenderem.
A menina, entretanto, ouvira a conversa e fora correndo em procura do leitãozinho. Encontrou-o no pasto, fossando a terra como sempre — rom, rom, rom. Agarrou-o ao colo e disse-lhe ao ouvido:
— Vovó deu ordem a tia Nastácia para assassinar você amanhã. Mas eu não deixo, ouviu? Vou escondê-lo, bem escondido, num lugar que só eu sei, até que o perigo passe.
E assim fez. Levou-o para o tal lugar que só ela sabia, amarrou-o pelo pé a uma árvore; depois trouxe-lhe várias espigas de milho, uma abóbora e uma lata d’água.
— Fique aí bem quietinho. Nada de berreiros, se não tudo está perdido. Quando não houver mais perigo, virei soltá-lo.
Chegada a hora de pegar o leitão, tia Nastácia revirou o sítio inteiro de pernas para o ar. Procurou-o como quem procura agulha; por fim veio dizer a dona Benta que com certeza algum ladrão o havia furtado, ou alguma onça o tinha comido.
— Que maçada! — exclamou a velha. — Nesse caso mate uma galinha bem gorda. E Rabicó fica para o Ano Bom, se aparecer.
No dia seguinte, assim que todos se levantaram da mesa depois de comido o “jantarzinho melhor”, a menina correu ao lugar que só ela sabia e soltou o leitão.
— Está salvo por uns tempos — disse-lhe. – Mas na véspera do Ano Bom tenho de prender você aqui outra vez, porque “ela” promete coisas para esse dia.
Dali a pouco, muito serelepe, como se nada houvesse acontecido, Rabicó surgiu no terreiro, rom, rom, rom. Chegando à porta da cozinha para lambiscar umas cascas que a negra havia botado fora.
— Ué! — exclamou tia Nastácia, admirada. — Olhe quem está aqui! Rabicó em pessoa!... Você escapou desta vez, seu maroto, mas de outra não me escapa. Uma semana antes do Ano Bom já te tranco no paiol e quero ver!...
Rabicó não ligou a mínima importância àquelas palavras. Tratou mais foi de encher a barriguinha com as cascas, deitando-se depois ao sol para uma daquelas sonecas gozadas que só porco sabe dormir.
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Continua... O Pedido de Casamento
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa
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