segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Reinaldo Pimenta (Origem das Palavras I)


À BEÇA
GUMERCINDO BESSA (1889-1913), jornalista e jurista alagoano, foi adversário de Rui Barbosa na Questão Acreana, em que o Estado do Amazonas pretendia incorporar o Território do Acre. Bessa venceu a questão em favor do Acre, apresentando argumentos irrefutáveis e numa quantidade impressionante. Posteriormente, mas não muito, Rodrigues Alves (Presidente do Brasil de 1902 a 1906) diria a um cidadão que lhe apresentava um pedido com justificativas infindáveis: "O senhor tem argumentos à Bessa". A partir daí, popularizou-se a expressão à beça com o sentido de em grande quantidade ou intensidade. Por que os dois esses viraram cê-cedilha? Ninguém sabe.

ABLUÇÃO
Do LATIM ABLUTIONE, LAVAGEM, LIMPEZA, PURIFICAÇÃO, derivado do verboabluere (daí o português abluir), formado deab(prefixo significando afastamento) + lavare (lavar), já que a ablutione afastava a sujeira, no sentido físico e moral. Em português, ablução tem os sentidos de lavagem do corpo (rico não toma banho; faz ablução) e de lavagem (purificação) das mãos pelo sacerdote na missa. E, se você conhece alguém cheirosinho, que tem a estranha compulsão de repetidamente lavar as mãos ou banhar-se, trata-se de um legítimo abluciomaníaco. São pessoas facilmente identificáveis: andam sempre com um sabonete no bolso, fazem campanhas contra o uso do guarda-chuva, afirmam que chafariz é aumentativo de bidê e chamam carro de bombeiro de Jacuzzi ambulante.

ACENTOS
FOI ARISTÓFANES DE BIZÂNCIO (257-180 A.C.), o primeiro bibliotecário da biblioteca de Alexandria, que introduziu os sinais de acentuação e de pontuação no grego, com a intenção de evitar confusão na leitura das palavras e dos textos. Os acentos eram três e foram adotados na língua portuguesa com nomes provenientes do latim. O agudo (do latim acutu, agudo, penetrante) os gregos chamavam deoksútono (estridente; daí oxítono); indicava uma elevação da voz. O grave (do latim grave, pesado, grave) era conhecido pelos gregos como barítono (de voz grave; daí barítono); indicava uma elevação da voz menor que a do acento agudo. O circunflexo (do latimcircunflexu, descrito ao redor) era uma palavra linda em grego (e aqui vai uma boa idéia para o nome do seu próximo filho): perispómeno; indicava que a voz se elevava e se abaixava na mesma sílaba, e seu desenho era o resultado da união, na extremidade superior, do acento agudo com o acento grave, pode olhar.
Quanto a outros sinais, o til (do espanhol tilde, til) é um enezinho posto acima do "a" ou do "o" para indicar sua nasalização; o trema vem do grego trêma, furo, cada um dos pontos do dado (trema é sinônimo de diérese ou ápices e já foi chamado de cimalhas).
Provavelmente algum filho perdido do líder negro Malcolm do mesmo sobrenome. O latim não usava os acentos gregos. Tinha dois sinais gráficos que indicavam a quantidade de uma vogal (átofla ou tônica): a braquia para as vogais breves (ã) e o macro para as longas (â).

ACHADOS E PERDIDOS
Achados e perdidos é uma seção num aeroporto, num prédio à qual você deve dirigir-se para recuperar algo que perdeu naquelas dependências. Inexplicável é a ordem das palavras. Primeiro se acha e depois se perde?! Enquanto no inglês a seqüência é lógica - lost and found -, no português a expressão acabou na contramão. Aqui, algum leitor pode empinar o nariz (todos os leitores têm sempre o direito, logicamente inalienável, de empinar o próprio nariz) e argumentar: ó pobre autor, não há uma ordem cronológica nas palavras; ali simplesmente estão coisas que foram achadas e coisas que foram perdidas. Ah, é? Então como é que uma coisa perdida foi parar na seção de achados e perdidos se ninguém achou? A única hipótese é alguém ter perdido algo na própria seção de achados e perdidos. E agora me diga: alguém perde alguma coisa na seção de achados e perdidos? Só se a pessoa foi lá recuperar algo perdido e lá mesmo perdeu uma segunda coisa.
A propósito de perdas, um dos fenômenos mais intrigantes da humanidade são os misteriosos desaparecimentos dos guarda-chuvas perdidos. Certamente o prezado leitor já perdeu um guarda- chuva e muito provavelmente nunca achou um guarda-chuva perdido. Eu mesmo já perdi vários guarda-chuvas e jamais achei algum. Pois esta é a questão que intriga a humanidade: para onde vão os guarda-chuvas perdidos no nosso planeta?

Fonte:
PIMENTA, Reinaldo. A casa da mãe Joana 2. RJ: Elsevier, 2004

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