domingo, 6 de novembro de 2011

Simone Athayde (O Aprendiz de Tiradentes)


O Aprendiz de Tiradentes é um romance histórico. O enredo trata da vida de Hélio, rapaz pobre que vai aprender o ofício de cirurgião com Tiradentes, na Vila Rica de 1782, quando começavam a fervilhar com mais ousadia ideias revolucionárias na Colônia. Sem querer, Hélio começa a testemunhar a vida e os planos de Tiradentes e de outros inconfidentes e mergulha na tragédia que disso resultaria.

A ideia de escrever O aprendiz de Tiradentes começou há muitos anos, quando li, em um jornal da classe odontológica, um artigo sobre Joaquim José da Silva Xavier.

Na minha época de criança, aprendíamos que Tiradentes foi um mártir que tentou libertar o Brasil do jugo português. A sua semelhança com Jesus impressionava, tanto a física, por causa da barba e do cabelo crescidos, quanto por seu martírio suportado com dignidade. Era bom saber que havíamos tido um grande herói.

O mito Tiradentes serviu e serve, até hoje, aos mais diversos interesses, inclusive aos literários. Mesmo que pesquisas históricas sobre a Inconfidência Mineira pretendam desmistificar esse evento e suas personagens, as lacunas produzidas pelo espaço de tempo excessivo e pela escassez de documentação da vida (e não apenas de fragmentos de vida) dos homens e mulheres que participaram desse episódio não poderão ser totalmente preenchidas. Sempre haverá um "se", novas suposições e contradições sobre essa matéria.

É graças às lacunas da História que o ficcionista pode usar a fantasia para criar a sua história, que pode ter, ou não, maior ou menor conexão com a "realidade". João Pinto Furtado, em seu livro Manto de Penélope, história, mito e memória da Inconfidência Mineira de 1788-9, diz: "a representação artística não tem, nem deve ter, os mesmos compromissos com a objetividade da historiografia".

Como já disse antes, neste livro trato da história de Hélio, um personagem fictício que teria conhecido Tiradentes e com ele convivido. Além dele, são fictícios Anna, Joana, Tempestade, Tonho, o pequeno Joaquim e outros personagens secundários. Todos os demais existiram realmente.

Mesmo que a versão que eu apresente dessas personalidades e da Inconfidência Mineira seja romanceada, ou seja, mesmo que eu tenha trabalhado a História com a liberdade que a literatura oferece, devo esclarecer que tentei, a partir de extensa pesquisa em diversos livros e fontes documentais, descobrir e apresentar ao leitor a versão mais coerente que eu conseguisse. Apesar de ter criado personagens e situações fictícios, o pano de fundo histórico dará aos leitores uma ideia de como e por que surgiram as ideias revolucionárias, qual o papel dos inconfidentes considerados líderes e quais as relações entre eles e o governo português.

Desse modo, será comum que o leitor se depare com frases que foram ditas realmente; com cenas inspiradas em outras descritas nas Cartas Chilenas ou em historiografias sobre a Inconfidência; com a transcrição, para o romance, de partes de alguns poemas de Tomás Antônio Gonzaga e de documentos da época. São exemplos disso: a descrição física e psicológica que faço de Tiradentes e de outras personagens, baseadas em pistas históricas, as várias "fanfarronices" do governador Cunha Menezes, também narradas nas Cartas Chilenas; o primeiro encontro, descrito por Lima Jr., de Gonzaga com Maria Dorotéia, que teria acontecido graças a um ferimento no dedo da jovem e que a Lira XX da parte primeira de Marília de Dirceu mostra imagem parecida; a cena da velha que vê a sorte no copo com a clara de ovo, que aparece nesta mesma obra; e o diálogo entre Joaquim da Maia e Thomas Jefferson, que foi elaborado a partir do conteúdo das cartas reais escritas por eles. As datas e o transcorrer de alguns acontecimentos foram modificados para se adequarem melhor ao andamento do enredo.

Termino esta apresentação com a frase de Tobias Monteiro, para reflexão do leitor: "A gente fica a pensar se a História não será em grande parte um romance de historiadores".

Fonte:
http://www.simoneathayde.com.br/

Nenhum comentário: