sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Ernani Maller (Na Porta do Hospício)


Tocou a campainha da garagem do hospício e o guarda foi atender, abriu uma pequena uma janela que mostrava apenas parte do seu rosto no meio do grande portão de ferro, um senhor de meia-idade aparentando muita tristeza perguntou:

_ É aqui que é o hospício?

_ É sim. - Respondeu o guarda.

_ Eu vim me internar.

_ Quem mandou o senhor?

_ Ninguém, eu vim por minha conta, eu “tô” maluco.

_ Mas hoje é domingo, e só está o médico de plantão, ele só atende os pacientes que já estão internados, o senhor tem que voltar amanhã as dez da manhã e falar com o doutor Renato.

_ Mas caso de emergência, esse médico que está aí, não atende?

_ Atender ele atende, mas o seu caso não é de emergência.

_ Como não?

_ Caso de emergência é quando chega em camisa de força.

_ E onde eu consigo essa tal camisa de força?

_ Eu não sei não, é o pessoal da ambulância que tem.

_ Será que eu não posso dormir aqui para amanhã eu falar com o doutor? Eu sei que ele vai me internar mesmo.

_ Não pode não, o senhor tem que voltar amanhã. Mas eu trabalho aqui há duas semanas e já tenho alguma experiência, posso lhe adiantar uma coisa.

_ O quê? _ Perguntou o candidato a paciente.

_ O senhor não está maluco, não.

_ Como é que você sabe?

_ Eu sei por que o senhor afirma que está maluco, não é?

_ É.

_ Então? Quem está maluco, não sabe que está maluco, portanto, se senhor acha que está maluco, é porque o senhor não está maluco.

_ Tem certeza?

_ Tenho.

_ Então o que eu faço com essa tristeza, essa angústia no meu peito e essa vontade de chorar?

_ O senhor vai pra casa, toma um copo de água com açúcar, senta quietinho num canto, que isso passa.

_ Sério?

_ Sério.

_ Então tá bom, muito obrigado.

_ De nada.

Deve ter dado certo, o homem nunca mais voltou.

Fonte:
Livro de Ouro do Conto Brasileiro Contemporâneo. RJ: Câmara Brasileira dos Jovens Escritores, Junho de 2011.

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